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Carta aos Servidores sobre o PL 7547, a Portaria 17 e o PL 13490

Caros servidores,

Em meio da avalanche em que estamos metidos, com a tátil sensação de que somos pegos de rebote numa sequência infindável de submersões, mais uma onda vem dar sua contribuição para nosso afogamento iminente.
Aqui trataremos de três assuntos distintos, porém irmanados. Um Projeto de Lei (PL) que trata da finalidade dos Institutos Federais e sua relação com o financiamento através da associação com as pequenas e médias empresas (Sistema S); outro que abre caminho para o investimento privado específico em pesquisa nas universidades; e um terceiro, mais conhecido, que é a Portaria 17, que regula a carga horária docente.
O que se vê claramente ao se analisar esses cenários projetados é que a entrada do capital privado, gerido a partir de sua exclusiva demanda, provocará o estrangulamento financeiro do ensino e pesquisa em ambiente público, gratuito e federal. Complementarmente, o atual ilegítimo MEC abre caminho para a precarização laboral com a regulação da carga horária a partir de critérios frágeis e cientificamente esdrúxulos.

Seguem para análise dos servidores os PL 7547 de 2017, a Lei 13.490/2017 e a Portaria 17, comentadas por professores de nosso instituto.

Convidamos os servidores a fazer a leitura deste extenso e rico material no sentido de tomarmos pé de nossa situação, e termos mais ferramentas para produzir o inescapável debate sobre nosso presente.

Coordenação do Sintifrj

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PROJETO DE LEI Nº 7.547, DE 2017

Altera dispositivos da Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, que institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências.
Autor: Deputado IZALCI LUCAS
Relator: Deputado HELDER SALOMÃO

I – RELATÓRIO
O Projeto de Lei nº 7.547, de 2017, é de autoria do nobre Deputado Izalci Lucas. Seu objetivo básico, conforme se lê na justificação, é ampliar as competências e objetivos dos Institutos Federais de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.
Para alcançar esse propósito, o Autor propõe a inclusão de dois parágrafos, o primeiro no art. 6º e o segundo no art. 7º da Lei citada, que “Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências.”
(…)
O art. 6º da Lei nº 11.892, de 2008, em seus nove incisos, define as finalidades e características dos Institutos Federais. O projeto de Lei em comento cita, especificamente, os incisos I, II, IV, VIII e IX. Esses incisos explicitam as seguintes competências das IFs:
III – realizar pesquisas aplicadas, estimulando o desenvolvimento de soluções técnicas e tecnológicas, estendendo seus benefícios à comunidade;
IV – desenvolver atividades de extensão de acordo com os princípios e finalidades da educação profissional e tecnológica, em articulação com o mundo do trabalho e os segmentos sociais, e com ênfase na produção, desenvolvimento e difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos;
V – estimular e apoiar processos educativos que levem à geração de trabalho e renda e à emancipação do cidadão na perspectiva do desenvolvimento socioeconômico local e regional; e
IV) orientar sua oferta formativa em benefício da consolidação e fortalecimento dos arranjos produtivos, sociais e culturais locais, identificados com base no mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural no âmbito de atuação do Instituto Federal;
VIII) realizar e estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o empreendedorismo, o cooperativismo e o desenvolvimento científico e tecnológico;
IX) IX – promover a produção, o desenvolvimento e a transferência de tecnologias sociais, notadamente as voltadas à preservação do meio ambiente.

O nobre Autor propõe a inclusão de um parágrafo dizendo que as disposições desses incisos efetivar-se-ão por meio de projetos específicos de produção, desenvolvimento e transferência de tecnologias, em parceria ou por demandas do setor produtivo, em especial para os microempreendedores individuais, as micro e pequenas empresas.

Já o art. 7º da mesma lei citada prevê que “observadas as finalidades e características definidas no art. 6º desta Lei, são objetivos dos Institutos Federais” uma vasta lista definida em seis incisos e mais cinco alíneas. O Autor da proposição aqui analisada destaca os incisos III, IV e V, que dizem:

III – realizar pesquisas aplicadas, estimulando o desenvolvimento de soluções técnicas e tecnológicas, estendendo seus benefícios à comunidade;
IV – desenvolver atividades de extensão de acordo com os princípios e finalidades da educação profissional e tecnológica, em articulação com o mundo do trabalho e os segmentos sociais, e com ênfase na produção, desenvolvimento e difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos;
V – estimular e apoiar processos educativos que levem à geração de trabalho e renda e à emancipação do cidadão na perspectiva do desenvolvimento socioeconômico local e regional;
(…)
O projeto de lei aqui em debate propõe a inclusão de um parágrafo a este art. 7º, que diz que “as disposições dos incisos III, IV e V, sem prejuízo de outras ações dos Institutos Federais, atuarão por demanda ou em parcerias, em especial, na produção e na disponibilidade tecnológica para microempreendedores individuais, micro e pequenas empresas, identificando e fortalecendo as potencialidades e os arranjos produtivos locais e regionais. ”

II – VOTO DO RELATOR
Nesse contexto, é oportuna a iniciativa do nobre Deputado Izalci Lucas. A educação científica e tecnológica é ferramenta para o desenvolvimento com melhoria da produtividade. É por meio de avanços sucessivos nos “modos de fazer” que a tecnologia avança e a produtividade melhora. Claro, existem as grandes invenções, aquelas que marcam época, tais como a água encanada, a máquina a vapor, a anestesia e a difusão dos conceitos básicos de higiene. Mas existem também as invenções que, isoladas, são pouco perceptíveis, mas que em conjunto acumulam grandes mudanças nas maneiras de se fabricar, de se comunicar, de se contabilizar, enfim, de fazer as coisas que são feitas milhões de vezes a cada dia, por milhões de pessoas. É imenso o ganho de produtividade decorrente dessas modificações, que podem ser exemplificadas com novas maneiras de se assentar um azulejo, a junção de dois equipamentos que permitem fazer trabalhos mais rápidos e de maneira mais eficaz, até mesmo a própria disposição do maquinário de uma pequena empresa pode ser fator de grande elevação da produtividade naquela unidade. Esse pequeno crescimento ocorrido numa empresa, ao se espalhar entre as pequenas e médias empresas, e entre os microempreendedores individuais, será multiplicado e fará grande diferença na economia nacional.

Daí a importância do presente Projeto de Lei. Ele dá um norte mais bem definido à atuação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Por essa via dá maior alcance à Rede Nacional, multiplicando seus resultados.
Todos sabemos da importância da pequena e média empresa, assim como do microempreendedor individual, na geração de empregos geograficamente distribuídos; todos sabemos também da importância dessas empresas na geração distribuída de renda, que é um dos grandes desafios brasileiros; todos sabemos, mais uma vez, que há falta de conhecimento, há abuso de práticas tradicionais, há o uso de instrumentos e tecnologia ultrapassados por parte de muitas dessas empresas.”

Segue nossa análise sobre a PL:

Qual o sentido deste Projeto de Lei?
Associar o funcionamento, e financiamento dos IFs (e as outras unidades EPCT estão incluídas aí ao interesse das pequenas empresas; deslocar a administração do MEC para o ministro chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República, atualmente Guilherme Afif Domingos; acabar com o financiamento público, estatal, permanente dos IFs pelo MEC e MPOG e submetê-los a esta indefinida – e indefinível – associação com as pequenas e médias empresas.

O que se pode deduzir é que dada a afinidade desta Secretaria de Ensino Tecnológico (composta por membros provenientes da secretaria estadual de São Paulo, do PSDB) e do próprio Secretário da Micro e Pequena Empresa (ex-Presidente do Sebrae), com o chamado Sistema S (Senac, Senai, Sebrae), através dessa lei se cumpriria um desejo antigo da iniciativa privada, o de passar para seu controle a rede federal de ensino técnico (abrindo espaço para a privatização da rede, seguindo uma tendência deste governo para a mercantilização do ensino) levando à subordinação dos interesses sociais democráticos da educação aos interesses do capital.

Desta maneira, deixa de estar garantido o acesso universal, público e gratuito à Rede Federal de Ensino Profissional, Científico e Tecnológico. Consequentemente, haverá mais um instrumento de exclusão dos mais pobres ao ensino de qualidade. Cumpre a sociedade civil organizada, aos educadores, estudantes e seus familiares, combater mais esse ataque à educação pública, gratuita e de qualidade no Brasil.

Os IFs, como bem ficou demonstrado nas últimas avaliações do MEC e do ENEM, são uma ilha de excelência no sistema de ensino brasileiro (o que mais lamentamos do que saudamos, pois, nossa luta é para que esta excelência seja transformada padrão para todo o ensino público), com aproveitamento próximo aos dos países mais desenvolvidos. Não é de estranhar que o ataque antipopular deste senador Izalcy Lucas (PSDB) volte suas garras contra os Institutos Federais, para tirar do povo um dos mais importantes mecanismos de transformação social, de combate à desigualdade, e entregar à iniciativa privada para satisfazer os interesses de meia dúzia de empresários.
Este senador Izalcy Lucas do PSDB é também autor do projeto do Escola sem Partido. Vemos claramente que estas coisas não estão separadas. O ESP retira a autonomia pedagógica e intelectual da escola; este PL retira o financiamento dos IFs e os entrega à iniciativa privada. Seguindo a toada deste senador, não sobrará IF para contar a história.

Affonso Celso Thomaz Pereira
Professor de História, Campus Nilópolis
Coordenador Sintifrj

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Lei 13.490/2017

Texto da lei:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Lei/L13490.htm

Segue matéria do site Direto da Ciência:
Universidades agora podem receber doações para setores ou projetos específicos
MAURÍCIO TUFFANI, Editor

As universidades agora podem receber doações direcionadas a setores ou projetos específicos com base em acordos prévios com doadores. Deixou de vigorar a partir de hoje o impedimento que havia na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para destinar recursos dessa forma. Sancionada ontem pelo presidente Michel Temer, e publicada nesta quarta-feira no Diário Oficial da União, a lei 13.490/2017 modificou dois parágrafos do artigo 53 da LDB, que passam a ter as seguintes redações.
§ 2º – As doações, inclusive monetárias, podem ser dirigidas a setores ou projetos específicos, conforme acordo entre doadores e universidades.
§ 3º – No caso das universidades públicas, os recursos das doações devem ser dirigidos ao caixa único da instituição, com destinação garantida às unidades a serem beneficiadas.

Até agora, a LDB permitia o aporte para setores específicos de universidades somente por meio de agências de fomento ou de convênios. A mudança na lei, que vigora desde 1996, proporciona segurança jurídica para destinações específicas de recursos doados após eles serem incorporados ao orçamento global das instituições.
Votado no Senado em 2015, o projeto de lei foi apresentado no mesmo ano pelo deputado Wilder Morais (PP-GO). Retornando à Câmara dos Deputados, a proposta foi aprovada em agosto deste ano pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, onde teve parecer favorável do relator Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP). Por ter sido aprovada em caráter conclusivo por todas as comissões em que foi apreciada, a iniciativa seguiu diretamente para sanção presidencial.

Em novembro de 2016, quando o projeto de lei foi aprovado pela Comissão de Educação da Câmara, o reitor da USP, Marco Antonio Zago, elogiou a proposta. “Ciência, tecnologia e inovação são atividades que beneficiam toda a sociedade. Por isso, são muito bem-vindas as iniciativas que incentivam contribuições oriundas diretamente dos cidadãos, das empresas e dos setores produtivos, adicionalmente aos recursos governamentais”, afirmou o reitor, ao ser consultado por Direto da Ciênciapara uma reportagem em parceria com o UOL.
“Doações para universidades são sempre bem-vindas”, afirma João Cardoso Palma Filho, professor de política educacional da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e ex-secretário-adjunto da Educação do Estado de São Paulo (2011-2013). “Aliás, seria muito bom que milionários brasileiros adquirissem o hábito de fazer doações frequentes para as instituições em que estudaram, seguindo a mesma tradição que há em outros, países, especialmente nos Estados Unidos”, acrescentou.
http://www.diretodaciencia.com/2017/10/11/universidades-agora-podem-receber-doacoes-para-setores-ou-projetos-especificos/

Sobre este tema, publicaremos breves análises dos professores Alexandre Maia e João Guerreiro, ambos do campus Nilópolis. Como veremos, é clara a noção de que o financiamento estatal está com seus dias contados, a continuar esta toada da política nacional.
“…Temos que ter cuidado com a mercantilização da Educação. Os recursos das doações sendo carimbados podem representar uma atrofia de alguns setores, pesquisa básica, por exemplo, em detrimento das COPPEs da vida.
Não podemos esquecer que estamos vivendo um processo de deixar de responsabilizar o Estado como o provedor de uma Educação Pública, Laica e de Qualidade.
Os casos da UERJ, UEZO e UENF estão aí para que fiquemos alerta.
Espero que não seja o início da porteira aberta para o projeto neoliberal que hoje está representando pela Secretária Executiva do MEC.

É sintomático que a proposta defendida por diversas IES não tenha sido aprovada. A proposta era que a doação viesse para um caixa único da Universidade e esta (em comissões criadas para essa finalidade) definissem como os recursos seriam distribuídos entre pesquisa (quais?), ensino e extensão (quais?).
Atuei de 1999 ao final de 2006 em um projeto de extensão na COPPE/UFRJ (Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares) onde participei da coordenação e transferências da tecnologia social para outras IES.
Mas, como um projeto de apoio ao fomento da Economia Solidária e criação de Cooperativas Populares em favelas do RJ e do Brasil poderia ter sustentabilidade dentro da COPPE? Na sua criação, a direção da COPPE (na época o Diretor Geral era o Luís Pinguelli Rosa) definiu que os projetos apoiados pela iniciativa privada teriam um overhead (taxa de administração) no percentual de 33% criando um fundo na Fundação COPPETEC (que conhece essa a fundação, sabe do seu poder financeiro). 11% era para pesquisa básica, 11% para a manutenção dos laboratórios e salas de aula (ar condicionado e cafeteiras inclusas) e 11% para os projetos de extensão. As prioridades eram estabelecidas no Colegiado. Lógico que é uma taxa alta, mas garantia a distribuição dos recursos. Imaginemos só o povo do Petróleo e Gás fazendo pesquisa aplicada com recursos das petroleiras e cérebros financiados (em sua maioria) com recursos públicos!

Essa era a proposta que perdeu: um caixa único. Mas, temos ainda um problema mesmo com um caixa único: quantas COPPEs temos no Brasil? Quem doaria para a Engenharia de Produção da UNIR (Universidade Federal de Rondônia) pesquisar sobre a influência do Oceânico Atlântico no regime de chuvas da Amazônia? etc.
Na área cultural, temos, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura (conhecida como Lei Rouanet), a possibilidade de Doação para atividades culturais certificadas por receber essas doações. Como não há priorização de atividade ou de território, temos uma concentração de Doação (mais de 70%) para atividades culturais do eixo Rio-São Paulo (mais especificamente em atividades culturais na Zona Sul/Centro do município do RJ e Pinheiros, Morumbi e que tais, em SP). Imagino que a iniciativa privada doando para P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) específicos deva ampliar a desigualdade socioregional das IES.
Então, muito caldo de galinha com essa proposta dos liberais…”

Prof. Dr. João Guerreiro economista, Planejamento em Políticas Públicas.
Campus Nilópolis

“Acho que esse assunto não é só temerário, mas “temeroso” mesmo! Por isso que está ocorrendo nesse governo golpista… Claro que o sistema pode nos dar boas contradições, mas se vem do governo de Temer, primeiramente, é bom que tenhamos grande sinal de alerta…
Eu, particularmente, não encaro com gosto o capital privado no setor público da educação… E sem romantismos ou puritanismos, esse dinheiro só entra buscando contrapartida… Independentemente da forma que as pessoas aqui compreendam a Educação Superior, compreendam a disputa existente – entre os que lutam por ela enquanto pública contra o Capital Privado em Educação – e até considerando suas várias nuanças (como projetos tripartites), é muito oportunista que essa proposta de “doações” aconteça em pleno momento de precarização de muitas Universidades … E isso de “doações” a setores específicos, que nos parece muito justo (e para alguns meritocrático) só aumentará a desigualdade dentro das universidades… Por exemplo, que setores esses “doadores” quererão investir? Na minha opinião isso interferirá com a autonomia das IES…
Por fim, ainda que esse assunto tenha muitos elementos, queria indicar um filme para quem se espelha no modelo universitário americano: “Torre de Marfim: a crise universitária americana”.
Por ora, fico com a sabedoria popular: “Quando a esmola é demais, o santo desconfia…”

Prof. Dr. Alexandre MaiaSociólogo
Campus Nilópolis

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Portaria 17.
Texto da lei:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=43041-portaria-setec-n17-2016-pdf&category_slug=junho-2016-pdf&Itemid=30192
Segue análise do professor Marlon Tomazella na qual aponta para efeitos necessários decorrentes da lei e para interpretações acerca das concepções de ensino e pesquisa aí contidas. O que devemos esperar e de que modo nós professores, Técnicos, Alunos e gestores deveremos nos comportar em vista deste ataque, tendo como horizonte o compromisso com o ensino púbico de qualidade e com a dignidade do trabalho docente?

“considero importante salientar algumas questões sobre a Portaria 17 que possam gerar discussão, esclarecimento e posicionamento político:

1) Atualmente os docentes podem ter no máximo 20 tempos em sala de aula, o que significa 15 horas. Com a nova regra o máximo será até de 20 horas em sala de aula, o que significa cerca de 26 tempos em sala.

2) Em nenhum ponto da Portaria se estabelece limite de turmas, somente de horas de 60 minutos. Na prática isso significa que, em tese, quem ministra disciplinas de dois tempos poderá lecionar em até 13 turmas por semestre (!!!) (atualmente há um limite de 8, que já não é pouco). Pode-se objetar que não há sequer turmas suficientes para se chegar a esse suposto teto. Mas nada impede que a continuidade de expansão dos IFs possa ser feita à custa da precarização do trabalho por meio de portarias como essa, que gera respaldo legal para eventuais necessidades de aproveitamento de docentes em outros campi em construção.

3) Quanto à pesquisa, há uma ênfase em diversos momentos na noção de que a pesquisa que vale é a “pesquisa aplicada”. Na prática isso me parece com o projeto da Alerj que pretendia restringir os fomentos da Faperj a pesquisas que têm consequências práticas diretas. Ou seja, pesquisa estritamente teórica sequer será considerada pesquisa e, por conseguinte, projetos desta natureza não terão mais lugar na instituição. O que é grave e revela uma visão restrita do significado de “pesquisa” e de formação humana, ignorando o Projeto Político Institucional do IFRJ em que consta que “a formação humana e cidadã precede à qualificação para o exercício da laboralidade”. Consta no texto da portaria que “atividades de pesquisa são aquelas de natureza teórica, metodológica, prática ou empírica a serem desempenhadas em ambientes tecnológicos ou em campo.” Uma pesquisa teórica desenvolvida num grupo de estudos com leitura, discussão e orientação para a pesquisa e escrita se enquadra como sendo desenvolvida em “ambiente tecnológico ou em campo”? Me parece que não, o que a exclui do conceito de “pesquisa” conforme a Portaria.

4) Na Portaria consta que será necessário apresentar relatórios semestrais sobre as atividades desenvolvidas. Penso que as pessoas acostumadas com o fazer pesquisa tenham consciência de que em um semestre não se desenvolve nada decentemente a ponto de se apresentar resultados (lembrando que falo a partir de um lugar específico: minhas ferramentas de pesquisa são basicamente leitura de livros e artigos, e escrita). Pode-se objetar que em programas de pós-graduação Brasil afora muitas vezes exige-se a publicação de um artigo por semestre. Não somos universidade e precisamos ser capazes de questionar determinados critérios cegos de produtividade. Que haja apresentação de relatório de atividades, tudo bem, mas semestralmente me soa um exagero.

Com Portarias como essa, poder-se respaldar legalmente a com facilidade questionável mais elementos para a aplicação de critérios de produtividade que justificarão demissões pautadas na lógica empresarial de “ineficiência no cumprimento da função”. O que, a partir dos critérios observáveis na Portaria, me soa escandaloso. (pois somente para lembrar: a estabilidade dos funcionários públicos foi uma conquista da instauração da impessoalidade do Estado, para que os seus servidores não sejam determinados por oscilações de governos e gestores ao longo do tempo, para evitar personalismos e eventuais privilégios e perseguições).

Agora, diante disso, e de sua implementação, o andar da carruagem vai depender bastante da postura de gestores que tivermos, em particular na direção dos campi.

Marlon Tomazella
Doutor em Filosofia
Professor do IFRJ-Nilópolis
Coordenador do Colegiado de Humanidade

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