“Aluga-se o Brasil” ou “Resistir é preciso”? Os impasses da classe trabalhadora diante do difícil cenário de crise
Michelangelo Marques Torres – Professor do IFRJ/Campus Pinheiral e coordenador geral do SINTIFRJ
No último artigo de julho, dizíamos que a instabilidade do governo Temer e seu emaranhado de escândalos públicos não descartavam a hipótese de sua queda. Contudo, a inflexão negativa na conjuntura e a recomposição de forças políticas/alta capacidade de alianças espúrias deu novo fôlego e estabilidade relativa ao projeto golpista. Igualmente contribuiu o arrefecimento das mobilizações de resistência da classe trabalhadora. Concluíamos, na ocasião, que o protagonismo (ou sua ausência) da classe trabalhadora na conjuntura nacional é o que deverá decidir o rumo da crise brasileira em curso.
Apesar das crises nos partidos da direita tradicional, os “ratos” não abandonaram o barco de um desgoverno que estava com possibilidade de queda, conforme prevíamos. E não se preocuparam em esconder que, mesmo contra Temer, não seria hora de desgaste político diante da “necessidade” de aprovação das reformas. Temer sinalizou força com as reformas para o mercado e com a ofensiva reacionária de retirada de direitos dos trabalhadores em geral, e do funcionalismo em particular. Blindado na Câmara e no Senado, conseguiu o arquivamento das denúncias na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), liberando emandas para garantir apoio de parlamentares. Tal governo não tem compromisso com a popularidade: trata-se de um (des)governo sem legitimidade popular, cuja rejeição atinge a marca de 93%.
Se no primeiro semestre de 2017 houve um enfraquecimento do governo Temer, o qual enfrentou, por um lado, uma onda de manifestações de massas entre março-abril, culminando com uma greve geral, por outro, se viu diante dos escândalos da JBS e da Lava-Jato, os quais quase levaram seu governo a bancarrota. As manifestações pelo “Fora Temer” e por “Diretas Já” foram importantes, mas não conseguiram mobilizar as massas, ficando restrita a uma parcela dos trabalhadores organizados. Não ganharam a escala de muitas dezenas ou centenas de milhares.
Ao mesmo tempo, desde o final do semestre, Temer conseguiu o arquivamento da denúncia de Janot (que envolvia o presidente golpista em crime de corrupção passiva), sinalizou positivamente para o mercado com a aprovação da reforma trabalhista (apesar do adiamento da reforma da previdência) e uma enxurrada de privatizações (até agora foram 58 estatais anunciadas (18 aeroportos, 2 rodovias, 16 portos, 16 concessões de energia, 4 empresas, 1 PPP de Telecom e a Eletrobrás). O apoio dos empresários ao governo é decisivo nesse momento. A classe dominante está nitidamente unificada no programa do ajuste, das reformas e das privatizações. Contudo, apesar do consenso econômico, parece haver crise política entre frações da classe dominante: a) um setor que defende reforma política (mais reacionária e anti-democrática) à toque de caixa, apoiado na operação Lava-Jato e no fortalecimento do judiciário diante da crise institucional do executivo-legislativo; b) uma fração que quer conservar o atual modelo político-partidário (permitindo pequenas mudanças graduais), com apoio no Congresso Nacional e na Presidência. Ambas, no entanto, se empenham em criminalizar qualquer projeto de esquerda junto aos trabalhadores. E o alvo ideológico é Lula e o PT[1] – as recentes denúncias de Palocci e a cobertura da mídia burguesa, apesar de frágeis são hegemônicas, como a Rede Globo, que o digam.
Diante da crise e dos escândalos políticos, elementos reacionários de degeneração social e agressões físicas e sexuais passam a se “naturalizar” no cotidiano dos trabalhadores – como o caso exemplar da impunidade do abominável assediador-estuprador de transporte público. A extrema direita se fortalece social, política e ideologicamente (para ficarmos em um exemplo, o Programa Escola Sem Partido ganha nova força parlamentar em diversos municípios). Bolsonaro cresce nas pesquisas eleitorais de opinião pública e já prepara sua pré-campanha presidencial-2018 em todo país, assim como João Dória. Lula demonstra uma competição acirrada após sua caravana ao Nordeste. Contudo, em termos eleitorais, há um cenário de ampla rejeição partidária (os únicos supostos pré-candidatos acusados nas intenções de voto que têm mais de 50% de aprovação são figuras como Sérgio Moro, Luciano Huck e Joaquim Barbosa).
Estamos diante de um impasse. Há indignação entre os trabalhadores, mas também parece haver paralisia desde o 30 de junho – inúmeros elementos se combinam, como o clima de repressão e medo nos locais de trabalho, aspectos de apatia política, o papel de freio das direções burocráticas e uma ausência de alternativa política que dê confiança para a classe seguir na luta.
Não tenhamos ilusões. Não confundamos desejo com realidade. Há uma correlação de forças desfavorável entre as classes. Não podemos trabalhar com um eventual cenário menos pior. Nada poderá ser positivo se não passar pelo protagonismo e mobilização da classe trabalhadora. Por isso a tarefa n.1 é concentrar forças na unidade de ação em torno a um calendário de lutas nacional unificado, envolvendo servidores públicos, setor privado, movimento estudantil e popular, setores oprimidos da classe (mulheres, negros e negras, população LGBT) e o povo pobre. Dito de outro modo, precisamos construir uma frente única para mobilizar a classe trabalhadora contra a reforma da previdência e demais ataques reacionários de retirada de direitos. Precisamos retomar a resistência organizada dos trabalhadores contra o retrocesso e a destruição da Constituição de 1988. O dia 14 de setembro[2] pode ser uma importante iniciativa, nesse sentido. Contudo, a nosso juízo, a defesa de uma frente única não deve se confundir com defesa da frente ampla lulo-petista. Necessitamos de uma alternativa tanto à direita quanto ao petismo e seu projeto de conciliação de classes. E é urgente que essa alternativa seja construída já, em um amplo debate com a sociedade brasileira e a esquerda de conjunto.
[1] O PT em geral, e Lula em particular, ainda aparecem (aparência!) colados a um projeto de transformação social para a maioria das massas, apesar da experiência interrompida (mediante o golpe parlamentar) desta com os governos de Frente Popular petistas por 13 anos em colaboração de classes com o grande empresariado.
[2] Inicialmente chamado pelo setor metalúrgico de todas as centrais, a data foi incorporada pelo funcionalismo federal, petroleiros da FNP e demais categorias. O FONASEFE (Fórum Nacional dos Servidores Federais) aderiu a convocatória – incluindo entidades da educação, como ANDES, FASUBRA E SINASEFE. As mobilizações já estão a ocorrer nos estados. Na região do nordeste, em Recife-PE, haverá um grande ato organizado pela FASUBRA na própria terra do Ministro da Educação em denúncia à crise das universidades públicas, a reforma da previdência e o pacote contra o funcionalismo. No IFRJ, além da paralisação, deverá haver um ato público na reitoria – conferir chamada no site do SINTIFRJ.
- O artigo de opinião expressa a análise do autor.
- FOTO: ANDRE DUSEK/ESTADAO
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