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Cabo de Guerra, por Fernando Horta.

Cabo de Guerra, por Fernando Horta

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Há muito venho defendendo que o STF não agiu para barrar o golpe porque estava cindido. Alguns ministros eram francamente contra o golpe e queriam tirar Eduardo Cunha antes da votação, outros eram favoráveis ao golpe e deixaram a coisa acontecer. Como nenhum dos ministros quis levar a discussão para dentro do STF – e expor a vilania da corte – a cisão levou à inação e a inação ao golpe. A entrevista de Marco Aurélio dizendo da sua animosidade “muito acima do normal” para com Gilmar Mendes é mais um capítulo desta cizânia. Acredito que não seja somente Marco Aurélio a se sentir “desconfortável” com Gilmar Mendes. Uma parcela significativa da população brasileira sente o mesmo.

O golpe começou a se desenhar institucionalmente com a PEC da Bengala (274/2015), prevenindo Dilma da nomeação de um outro ministro para o STF, que, certamente, mudaria esta correlação de forças. O domínio golpista, ou ao menos a garantia da inação dos tribunais superiores é essencial para os golpes parlamentares. Foi assim que George W Bush se elegeu nos EUA em 2000, foi assim o golpe contra Manuel Zelada em Honduras (2009), foi assim contra Fernando Lugo (2012) no Paraguai e também agora no Brasil.

Na Venezuela, logo após o golpe de 2002, Hugo Chavez imediatamente processou os golpistas por “alta traição”. Quando a suprema corte de lá começou a julgar as ações ou desqualificando a traição ou chegando mesmo a inocentar os golpistas, Chavez percebeu que era essencial uma suprema corte ativa, legalista e responsiva aos anseios da sociedade. No Brasil, quando os governos progressistas pensavam nisto, Gilmar Mendes se postava a gritar em frente às câmeras desesperadamente. “Bolivarianismo” virou palavra fácil no jargão do representante do PSDB no STF.

O Brasil hoje é um reflexo desta cisão. A Polícia Federal está cindida, o Ministério Público Federal, os juízes estão. Todos ciosos e cientes de que não podem enfraquecer a “corporação”, assim estas divergências não chegam à público. Mas o fato é que estão todos rachados. A gravação de Joesley – que deve destruir toda a delação – somente veio à tona porque jovens procuradorAs descobriram o teor e ameaçaram Janot com a denúncia de prevaricação. Como está terminando o seu mandato, a ameaça era crível. Dodge não iria querer se filiar ao crime de seu antecessor. Tão logo as gravações vieram à tona, uma parte da Polícia Federal veio de pronto dizer que avisava há mais de 3 meses ao procurador a existência de outros áudios por parte da JBS. Mais uma prova de que as instituições – todas – estão divididas.

Nas prisões e operações também se vê a cisão. Enquanto uma banda podre da PF trabalha no mesmo ritmo desafinado da República de Curitiba, uma outra parte (colocada em marcha não se sabe por quem) está a campo tentando limpar tudo. O bunker de Geddel, as gravações sobre Temer e Aécio e as investigações sobre Jucá e Eliseu Padilha, a operação Carne Fraca mostram isto. O que se sente, infelizmente, é que não há uma coordenação das instituições para combater a corrupção. Todas estão agindo no impulso. Cada grupo querendo “dar o troco” no outro. A luta das ruas, que se instalou a partir do final de 2013, é replicada dentro das instituições.

Neste embate institucional interno, os que defendem o campo progressista são imensamente mais conscienciosos do que os que apoiam o golpe. Por isto um juiz como Catta-Preta pode se arvorar a dar liminares em segundos, interferindo na política sem o menor pudor. Sabia que teria respaldo de Mendes. Enquanto Fachin se declarava suspeito para julgar processos envolvendo o governo, no início do movimento do golpe, Gilmar Mendes faz das suas para julgar todos os amigos. Sem nenhum escrúpulo. Os escrúpulos, aliás, estão fazendo o lado progressista perder terreno. Dilma os teve, Temer não. Fachin e Teori tinham, Mendes e Moraes não, e por aí vai.

Agora a disputa, um verdadeiro cabo de guerra, está se travando nas cadeias. Cunha se mantém inexorável, recebendo malinhas de dinheiro que, segundo Temer, “tem que manter isto”, enquanto Palocci se verga ao peso da tortura. Nesta puxa-de-lá-e-puxa-de-cá, mandaram soltar o primo e a irmã de Aécio, um perigo se fraquejassem. Agora o campo progressista ameaça com a prisão de Geddel. Lula levanta o Nordeste e a Globo contra-ataca com o Jornal Nacional.

Enquanto o STF se prepara para acabar com os irmãos Joesley e salvar Aécio, Temer e todos os outros envolvidos, o amigo e companheiro de mestrado de Moro, o desembargador Gebran, acelera tudo o que pode para condenar Lula. Gebran, que chegou a desembargador DEPOIS da Lava a Jato, já caiu, “por sorte”, na vara que a ação estava. Lula ameaça continuar a caravana e já sinaliza com a ida a Minas. O puxão na corda é forte. A Globo acaba reagindo desesperadamente e perde anunciantes. O governo indica que a “economia está melhorando” e a população em casa discorda. O congresso fatura. Cada nova denúncia contra Temer significa mais alguns milhões sendo derramados para o mais baixo e constrangedor Congresso da história do país.

Num jogo de cabo de guerra, existem três formas de se ganhar. A primeira é por um lado ter maior força simplesmente. A Caravana de Lula e a presença impoluta de Dilma começaram a igualar a disputa. A segunda forma de ganhar é sendo mais organizado e fazendo pressão na corda para desorientar o outro lado. Geddel é atacado e eles respondem com Palocci. Malas de dinheiro fotografadas dentro do campo político de Temer e Janot copia toda a acusação de Curitiba contra o PT. Nesta troca franca de golpes, alguns sujos, quem vai minguando é o país. Quem vai empobrecendo é o povo.

O jogo pode terminar com novos personagens que vão entrar até o final do ano. A primeira é a procuradora Raquel Dodge. Janot, por vontade própria ou incompetência, serviu de contrapeso para o lado golpista. Se Dodge for minimamente correta já fará uma imensa diferença. O segundo ator novo é o povo. Lula vem levantando os lugares onde passa, Renan, Flavio Dino e outros são testemunha disto. Faz o que Boulous só ameaça e Stédile nem isto. As forças armadas têm sido chamadas (temerariamente no meu entendimento) a agirem, como terceiro ator. Moniz Bandeira, Luís Nassif entre outros pedem uma “intervenção cirúrgica” à la Marechal Lott. O problema é que podem receber uma de 20 anos, como a última.

Há, entretanto, um quarto ator que parece morto e não está. A Lava a Jato destruiu a construção civil no país. Espezinhou os donos de empresas, Marcelo Odebrecht viu seu império ruir, enquanto Temer joga as instituições contra os irmãos Batista. Embora massacrados, estes empresários não estão vencidos. E podem ainda agir. Se o empresariado parar de apoiar o golpe (como a Globo tem sentido acontecer diariamente) e passarem a apresentar provas reais de suas relações com todos os políticos, a situação se tornará insustentável. Até agora, tais empresários não entenderam que vão perder os anéis e também os dedos. Quando se derem conta, talvez queiram agir racionalmente e ainda talvez possam salvar seus negócios.

De resto, façamos a nossa parte. Que o campo progressista não perca este cabo de guerra por falta de braços. Puxemos todos o Brasil para o lado certo, que ninguém se esconda, que ninguém se furte. O futuro dos nossos filhos e netos está se desenhando entre o final de 2017 e as eleições de 2018. O que quer que tenha que ser feito não pode esperar.

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