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Uma nota sobre a conjuntura

UMA NOTA SOBRE A CONJUNTURA: o início do fim de um desgoverno

Michelangelo Marques Torres

Desdobramentos da crise: cenário político de instabilidade e conflitos

A situação política no Brasil é singular. Dias parecem ganhar a dimensão de anos. As mudanças de qualidade na conjuntura têm sido abruptas. A confluência de uma crise política, econômica e social coloca, atualmente, o governo Temer em sua fase mais delicada desde o golpe jurídico-parlamentar que o inaugurou, com instabilidade e tensionamento por todos os lados. Dois de seus ministros já foram presos. A disputa entre frações da classe dominante aprofunda a crise e dificulta a articulação do governo. Mais do que nunca a queda de Temer está posta como possibilidade.

Recentemente, ministros do STF absolveram Aécio Neves (PSDB) e soltaram o deputado Loures (aquele da mala de dinheiro). Mais recentemente ainda a PF prendeu Geddel (ex-ministro da Secretaria do Governo, um dos homens de confiança de Temer). Há um evidente racha no PMDB (Renan Calheiros abandonou o barco) e no PSDB, enquanto a base governista no Congresso definha. Tudo indica que a Procuradoria Geral oferecerá mais denúncias de escândalos.Caminha, neste momento, o relatório de denúncia de corrupção passiva contra Temer na CCJ a ser possivelmente apreciado pelo plenário da Câmara dos Deputados a fim de que se aprove, eventualmente, o julgamento pelo STF.

No entanto, para os trabalhadores, desde o dia 30 de junho há uma inflexão negativa na conjuntura. Se as resistências se intensificaram em escala progressiva desde 8 de março, seu estopim foi o 28 de abril, data da primeira Greve Geral marcada pelas centrais. A última tentativa de greve geral do dia 30 de junho demonstra uma mudança de qualidade, a qual precisamos analisar concretamente.

O papel das centrais sindicais e suas direções.

Ações unificadas das centrais sindicais poderiam colocar o atual governo no limite e impor eleições diretas.A greve geral do dia 28 foi um acerto e sua amplitude foi enorme (ocorreram mobilizações em 235 cidades).Já a marcha a Brasília foi um importante episódio de vanguarda mas sem o protagonismo das massas. Nesse interim, houve atraso em marcar uma nova data para a segunda greve geral (dois meses separam o 28A do 30J), o que arrefeceu o ânimo dos trabalhadores, além do papel de recuo de algumas centrais.

No dia 30 de junho houve paralisações em 106 cidades. Ainda assim não foi uma greve geral nacional, como no dia 28A, mas atos e algumas paralisações locais (a maioria em setores não-estratégicos e com menor adesão do que no dia 28 de abril). Foi um movimento nacionalmente fraco, insuficiente para barrar as reformas e colocar mais crise no governo. Representou, portanto, uma inflexão negativa na conjuntura, uma vez que desde o 8 de março presenciamos um ascenso de lutas de resistência da classe trabalhadora, passando pelos dias 15M, 31M, atingindo seu ápice na greve geral do dia 28 de abril construída pela unidade das centrais sindicais e na marcha a Brasília.E as direções majoritárias do movimento sindical têm suas responsabilidades.

O movimento sindical precisa se livrar de dois erros: a) o recuo oportunista (motivado pela defesa do imposto sindical ou acordão com o governo); b) a postura ultraesquerdista (desvio sectário, esquerda dividida, que contrapõe greve geral com manifestações por diretas já, dificultando a unidade de ação).

Ilustrando a primeira dimensão de erro político, a Força Sindical e a UGT claramente acordaram com o governo pontos das reformas (como a manutenção do imposto sindical) em troca de não intensificar o dia 30 e suas direções “puxarem o freio de mão” de qualquer paralisação em suas bases. Propuseram recuar a greve geral para “um dia nacional de mobilizações”. Mas a CUT e a CTB também têm suas responsabilidades. A CUT, maior central sindical do país, aparato sindical do PT, não deu o peso político necessário para a greve geral – vale citar o exemplo do ABC paulista, reduto histórico cutista/petista, em que não houve paralisação. Seu projeto é oportunista e eleitoreiro: construir a plataforma Lula-2018.

Mas o papel das centrais não pode ser absolutizado para explicar o arrefecimento do dia 30 de junho. A correlação de forças entre as classes é, em geral, desfavorável aos trabalhadores. A repressão, o medo e o desgaste político estão presentes nos locais de trabalho. Soma-se a isso o adiamento da reforma da previdência (que é muito mais impopular do que a reforma trabalhista), o que arrefece a dinâmica das resistências organizadas nas ruas. Precisamos, em outro espaço, dado os limites deste artigo, identificar quais as dificuldades em se formar unidade de ação e unificar as lutas contra as reformas e o governo.

Na ausência de uma alternativa a esquerda – fragmentação desse campo político (sem peso de massas), o vácuo político parece ser preenchido pela consciência conservadora e pelas “alternativas” de direita ou a resignação política.A expansão da zona de influência da direita radical, a exemplo da estimativa de 16% de intensões de votos em Bolsonaro para 2018, sinaliza uma saída eleitoral reacionária.

Papel da Lava Jato e os escândalos de corrupção na crise do regime político.

Em contexto de desprestígio do Executivo e do Legislativo, o Judiciário aparece mais fortalecido no ideário popular. A figura do juiz Sergio Moro é repassada como um agente técnico do judiciário. Mas é preciso identificar seu caráter reacionário. A Operação Lava-Jato fortaleceu o judiciário, a Polícia Federal, procuradores e o STF. Seu caráter tem sido a expressão da política imperialista: barrar o mínimo de independência de classes e da soberania nacional. Parte da esquerda brasileira a identifica, erroneamente, como progressiva. A desconstrução da nacionalização da Petrobrás e a criminalização da esquerda de conjunto (com alvo simbólico em Lula – há uma evidente ofensiva em senão criminalizar, desgastar a imagem política do ex-presidente) são motivações evidentes da Lava-Jato. A operação midiática “contra a corrupção” não alavancou mobilizações progressistas, mas reacionárias (como as de 2015, cuja base social foi a classe média) – ainda que mesmo estas tenham perdido peso nas ruas de lá para cá.A ofensiva reacionária, de projetar no judiciário um caráter neutro e “apolítico” é eminentemente política. Além da cobertura da mídia, poderíamos destacar projetos reacionários que incidem na desmoralização e criminalização das pautas dos direitos sociais e da esquerda progressista, como é o caso do Projeto Escola Sem Partido na educação.

Por outro lado, as mobilizações progressivas e os atos de vanguarda pelo Fora Temer e pelas Diretas Já não têm tido expressões de massas. Ao menos até agora não aprece a maioria dos trabalhadores como alternativa. A classe trabalhadora deve lutar por ser protagonista da conjuntura nacional, e não a mídia e as instituições burguesas e setores reacionários ou conservadores.

Um projeto à esquerda e alternativo localizado no campo “democrático-popular”?

O projeto petista. Lula/PT ainda são direção política majoritária de parcela significativa dos trabalhadores. Por isso há o reforço da candidatura de lula por meio da narrativa do medo da direita, como se o PT não tivesse nenhuma responsabilidade nos acordos e alianças que fez ao longos dos últimos 13 anos em seus governos de Frente Popular e de colaboração de classes, impulsionados por Lula e Rousseff. Lula e a direção do PT, neste momento, procuram costurar um grande acordo. As recentes moderadas declarações de Lula reforçam essa hipótese. A CUT e a direção do PT demonstram ter como estratégia a manutenção do calendário eleitoral apostando na plataforma Lula 2018 e aproveita o desgaste de Temer, do PSDB e seus ministros. Nunca tiveram como projeto político a derrubada do governo Temer nas ruas. Seu projeto é de poder.Apostar numa reedição do lulismo não é alternativa para o conjunto da classe trabalhadora.

Os blocos burgueses tradicionais e a direita: a ofensiva da classe dominante

Há setores dominantes, no entanto, que querem inviabilizar a candidatura de Lula/PT no intuito de garantirem um governo de direita conservadora tradicional, e por isso criminalizam o conjunto da esquerda junto ao ideário popular, com amplo apoio midiático. Pretendem, ainda, modificar o sistema político via reforma política reacionária com cláusula de barreira e um sistema ainda mais conservador.

Objetivamente, há luta institucional entre dois blocos: executivo e legislativo (com tensionamentos internos) x judiciário. Mas uma saída progressiva só há de vir da mobilização e do protagonismo da classe trabalhadora, e não dos arranjos institucionais do regime. Globo e ala do Judiciário (PGR, STF, MP, PF) trabalham neste momento contra Temer e querem uma saída conservadora, ou seja, acordo de um mandato tampão para estabilizar uma transição controlada até 2018 mediante eleições indiretas. Mas eleições indiretas não resolve o panorama eleitoral de 2018 sequer para esses setores. Até agora, ao que tudo indica, o principal nome interino cogitado é o de Rodrigo Maia (DEM). Já a CNI, a FIESP e o capital financeiro apoiam Temer. O mercado parece tranquilo devido a pouca probabilidade de se trocar a equipe econômica e sua política. O dólar e a Bovespa seguem estáveis. Independente de governo, querem aprovação das reformas trabalhista e previdenciária. Mas 85% da população quer eleições diretas e apenas 7% apoia o governo Temer.

Há disputa política entre os blocos burgueses mas há consenso econômico em torno da aplicação das reformas e do ajuste fiscal. Henrique Meireles e sua política econômica têm apoio do mercado financeiro. O governo e a classe dominante estão dispostos a impor aos direitos dos trabalhadores um retrocesso histórico.Há articulação em torno de um possível acordão para a saída da crise por parte das classes dominantes. Dias atrás Temer foi flagrado em encontro com Gilmar Mendes em torno de uma articulação em salvar o governo. Para facilitar esse projeto, a manobra de Temer em adiar a votação da PEC 287 (a reforma da previdência está paralisada por falta de estabilidade política em aprova-la) e antecipar o projeto da reforma trabalhista por ser mais ágil de se aprovar (não requer maioria qualificada) pode ter sido um arranjo de estabilidade temporária do governo em meio a profunda crise. Reforçando a hipótese de uma situação negativa na conjuntura, não é à toa que a referida reforma trabalhista, que retira direitos históricos da classe trabalhadora no que se refere à proteção social do trabalho, acaba de ser aprovada no Senado neste dia 11 de julho sem grandes resistências nas ruas, com exceção de manifestações pontuais. A sessão conturbada aprovou as novas relações de trabalho cujo significado representa, junto com a Lei das Terceirizações, o maior ataque ao conjunto da classe trabalhadora, remontando condições de trabalho ao século XIX. O texto aprovado da Reforma Trabalhista (por 50 votos contra 26) prevê a flexibilização da jornada de trabalho, permitindo a divisão das férias em três períodos, impõe a prevalência do negociado sobre o legislado (acordo coletivo entre patrão e sindicato adquirem força de lei), institucionaliza o home office (trabalho em casa), permite aumentar a jornada diária em até duas horas, reduz o tempo de intervalo para almoço e reforça o banco de horas (trabalho não-pago). O texto altera mais de 100 pontos da atual CLT. Basta a sanção de Temer para entrar em vigor.

A ofensiva do sistema do capital em todas as partes do mundo reforça a hipótese de um período de contrarrevolução burguesa de amplitude global, com processo de expansão das direitas (governos e ideologias como força social, de clivagem liberal a extrema-direita e protofascistas), seja nos planos de austeridade e ajuste fiscal, como como o projeto do imperialismo de recolonização de países semiperiféricos, como é o caso regional da América Latina. A financeirização da economia globalizada (mundialização do capital e seu traço financeiro como hegemônico), em contexto de crise estrutural, pleiteia recuperar a taxa de lucro dos capitais via o aniquilamento da legislação protetora do trabalho e o desmonte das conquistas democráticas. No Brasil, isso parece ser mais do que evidente. O projeto em curso, de caráter golpista, materializado na PEC dos gastos (PEC 55), na Reforma da Previdência (PEC 287), na Reforma Trabalhista e na Lei da Terceirização Irrestrita (PL 4302) constituem mudanças qualitativas e sem precedentes. Essa é a chave de interpretação da situação nacional.

A dimensão das tarefas imediatas é central para a esquerda. Mas a perspectiva estratégica será decisiva. A construção de uma alternativa política é imperiosa. Tanto em relação a direita quanto em relação aos governos de conciliação de classes. Em nossa perspectiva, os acordos da política tradicional e a política lulo-petista não são mais alternativas ao povo brasileiro. Se, por um lado, precisamos de muita unidade na luta contra as reformas e a este governo, por outro, precisamos construir uma saída independente e classista para a crise. Uma Frente de Esquerda Socialista pode ser o caminho.

Se os ratos parecem abandonar o barco de um desgoverno às vésperas de sua queda, a capacidade de articulação do governo ainda não se esgotou. A política institucional em Brasília segue até esta sexta-feira, quando entrará em recesso.Temer apoia-se na aprovação das reformas para o mercado e na redução de custos para o capital mediante a retirada de direitos aos trabalhadores. Os partidos que apoiam o governo apostam na troca de membros da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara para garantir o não seguimento nas denúncias contra Temer. Além disso, é notório o fato de que Temer tem liberado emendas para garantir apoio de parlamentares. Tal governo não tem compromisso com a popularidade: trata-se de um (des)governo sem legitimidade popular. Mas o PSDB está de saída do governo, bem como partidos satélites. Lideranças como Alckmin, e mais expressamente FHC, já sinalizaram nesse sentido. Temem que a crise política e os escândalos levem a ingovernabilidade. Este parece ser o começo do fim do governo Temer?Esperamos que sim, mas o protagonismo (ou sua ausência) da classe trabalhadora na conjuntura nacional é o que deverá decidir o rumo da crise brasileira em curso.

 


Notas:

  1. Professor do IFRJ, campus Pinheiral.
  2. No Estado do Rio de Janeiro, Bolsonaro segue à frente de Lula nas intenções de voto, com 22,8%, contra 17,7%. O terceiro colocado, com 17,6% é “nenhum”, representando a apatia política diante do cenário nacional.
  3. Desde o dia 26 de junho houve a troca de 19 cadeiras na CCJ pela base governista.

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