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Em memória de um matemático, um cachorro vivo, mas acima de tudo, do pai e professor Kwasinski

“Se o aluno não quer aprender isso é problema dele, mas se quiser, isso é um problema nosso!”

Essa frase é de um grande educador, um companheiro de luta, revolucionário, defensor dos direitos dos trabalhadores(as) e da educação pública, que no dia 10 de novembro de 2021, nos deixou. Jorge Ricardo Muniz Kwasinski, professor de matemática do Instituto Federal do Rio de Janeiro, perdeu a vida em um acidente de moto, notícia que impactou a todos na época. O IFRJ já sentiu, e está sentindo ainda mais com a volta às aulas presenciais, a ausência dessa grande personalidade.

Como o título diz, ele era nomeado de várias formas por seus amigos, alunos e entes queridos, mas deixou uma só marca: sua presença inesquecível. Hoje, no dia do matemático, o SINTIFRJ faz uma homenagem a um professor de matemática que deixou saudades!

Quem era Jorge Kwasinski?

Nascido em Niterói, tinha 66 anos e iria completar 67, mas morreu dois dias antes. Casado, pai de dois filhos biológicos, ganhou mais “uma penca de filhos”, adotados pelo coração ao longo da vida. É chamado de guerreiro por sua filha Roberta e identificado como um marido, pai e avô muito carinhoso, apesar de “pegar muito no pé”. Era devoto de São Jorge e seu pai era do partido comunista. Ao que tudo indica, Jorge herdou o caráter revolucionário do pai, o que ressignificou sua vida como professor. Ele vivia a revolução na prática. 

Nunca se encantou pelo dinheiro, era uma pessoa simples. Já a sua personalidade não era tão simples assim: pelo contrário, tinha uma complexidade tremenda. Kwasinski tinha o temperamento explosivo, era muito fácil se indispor, mas isso nunca acontecia por qualquer coisa, e sim quando “os pequenos” eram atingidos. “Quem está no poder é potencialmente meu inimigo”, dizia Kwasinski.

Roberto Soares, 48 anos, professor do IFRJ, é um amigo que virou “filho”. Ele teve o primeiro encontro com o professor Kwasinski na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), onde se formou em Física. Desde aquela época, Roberto admirava a forma como o então professor substituto Jorge lidava com a educação. Após anos sem contato, Roberto reencontrou Kwasinski em 2005. A partir daí, conviveram durante 16 anos e a relação se aprofundou. Ele conta que foi praticamente adotado. Jorge, que tinha a música como hobbie, até tocou no seu casamento. 

Roberto conta, emocionado, que Jorge estava sempre ao lado dos oprimidos. “Era aquele cara que falava com todos os vigilantes, as tias do cafezinho… Chegava a noite, tinha um churrasquinho em frente ao IF, e ele perguntava para esse pessoal: ‘o que vocês querem?’. E levava pra eles. Perto do Natal ele encomendava pizza. São ações invisíveis, só quem estava por perto realmente experimentava. Ele se aproximava daquelas pessoas que ninguém se aproximava”, diz o amigo.

Lucas Barboza Assaf Santos é formado em Química Ambiental no IFRJ e foi aluno de Kwasinski na disciplina de matemática, no campus Rio de Janeiro. Ele conta que, atuando como educador, Jorge era um professor que fugia dos padrões: “para a idade dele, a gente idealiza um professor conservador, né? No sentido de aula, de personalidade, mas o Kwasinski não; ele quebra esse paradigma. Por sempre ter tido um ativismo político muito grande, tentou ser uma pessoa com caráter revolucionário ao longo de toda a sua vida, sempre buscando se atualizar, compreender o mundo e a geração que o cercava. Você sempre tinha algo novo a aprender com o professor Jorge” – afirma.

Mesmo sendo da área de exatas, Kwasinski sempre estava estudando história, filosofia, sociologia, ou qualquer coisa que lhe interessasse, conta o aluno Lucas, que diz se inspirar no professor. Ele se apropriava do conhecimento não só para instrumentalizá-lo, a fim de obter um bom emprego, bons salários, mas para seu desenvolvimento próprio e posicionamento no mundo. 

Jorge buscava passar para os alunos essa sede de se aprofundar nos assuntos. Nas aulas, usava não só os fundamentos da matemática, também levava aos alunos lições de suas vivências como pai, avô, contando histórias suas para evitar possíveis erros que os pupilos pudessem cometer. Seu caráter paternal, até como professor, era algo marcante.  

Kwasinski era conhecido por ser “avassalador”, o que, às vezes, poderia parecer desrespeitoso a algumas pessoas. Não media as palavras que usava. Os amigos mais próximos contam que alguns diziam que o problema era o jeito dele falar, mas Jorge discordava: “não, esse é o jeito de falar!” Um homem de espírito combativo, que “pegava no pé” até dos amigos, questionando tudo. E que, dependendo da situação, brigava com a escola inteira!

Em um desentendimento com um companheiro do sindicato, mais tarde resolvido, acabou escutando a seguinte frase do colega: “eu não bato em cachorro morto”. Desde então, ironicamente, Kwasinski passou a assinar seus e-mails como “cachorro morto”. E depois usou variações como “cachorro vivo”, ou “cachorro morto que ainda late”. Ele não ficava chateado. Absorvia os ataques a si e transformava a ofensa em ícone.

Jorge Kwasinski amava a música. A companhia dos amigos e a noite eram, também, paixões. Adorava sair por aí, tocar seu violão, arrastava com ele quem podia. No dia em que sofreu o acidente que o matou, estava indo tocar na Ilha Grande. Mesmo saindo às 22h30 do seu turno no IFRJ, ainda tinha energia para se divertir com os amigos. Ele era assim: tinha pressa e vontade de viver. 

Kwasinski “adotava” a quem amava sem restrições, e também era assim na sala de aula. Para ele, não importava a hora nem o dia para perguntar sobre uma questão do ENEM, ou qualquer outra coisa. Não importava nem o lugar, se precisassem dele, ele simplesmente ia. “Esse era o Jorge, aquele cara que se você tivesse às duas da manhã, triste, a 150 km, ele pegava a moto dele e ia até o seu encontro”, conta Roberto emocionado.

Jorge e a Educação

Kwasinski graduou-se em licenciatura e bacharelado em Matemática pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e possuía mestrado na mesma área pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Foi coordenador da área de Ciências da Natureza e Matemática no IFRJ de 2006 a 2012, e também do curso superior de Processos Químicos no IFRJ, de 2004 a 2006. Era professor aposentado do Colégio Pedro II, tendo também passagens por outras universidades e escolas, como o Colégio São Bento.

 “Jorge era um profundo conhecedor da matemática, não só um resolvedor de exercícios, mas um conhecedor dos conceitos. Ele pensava a matemática” – conta Roberto. O amigo diz que, apesar disso, Kwasinski não tinha paciência para projetos, nem ao menos se considerava um acadêmico. Era considerado por alguns como aquele professor que não aplicava prova, que não se importava do aluno tirar 5 ou 10, mas isso era porque ele não acreditava no formato de educação burguesa das instituições, conteudista e rigoroso. Estava mais preocupado em convidar os alunos a pensar a matemática e criticava muito o produtivismo. “Ele batalhou muito contra isso” – afirma Roberto, com admiração. 

Jorge acreditava que a educação precisa priorizar a preocupação com a aprendizagem do estudante. Se um aluno queria aprender e, pelas dificuldades pessoais, ficasse para trás, ele não aceitava. Lucas passou por uma situação assim: em seu terceiro período, não se adequou muito bem a duas matérias específicas, e mesmo participando das aulas de recuperação, tirando dúvidas, na hora da prova não ia tão bem e não conseguia alcançar a nota mínima. “Alguma coisa me impedia e eu não sabia o que era” – conta. Foi aí que ele teve ajuda de Jorge, quando seu caso foi levado ao Conselho para verificar se ele poderia ser aprovado ou não: Kwasinski e uma professora de biologia saíram em sua defesa e Lucas só conseguiu ser aprovado por conta da ação dos dois professores. 

“E esse era o Jorge, pouco acadêmico, pouco previsível, e de uma coragem de falar aquilo que ninguém tem”, avalia Roberto.

Legenda: A foto mostra o “rei” Kwasinski em um trabalho de Lucas e seus colegas que abordava a expansão monetária mundial imposta pela Inglaterra no passado e a exploração do ouro e seu impacto ao meio ambiente de forma lúdica, com uso de cenários e fantasias. Jorge abraçou o projeto e ajudou os alunos a executarem-no. No fim, os alunos levaram o professor ao trono e coroaram-no. 

 

Um sindicalizado ativo, briguento, mas querido

Kwasinski foi sindicalizado a vida toda, e defendia com força a importância de se juntar à categoria. Brigava com os próprios amigos que ainda não tinham se sindicalizado. Ele desejava um sindicato ativo, militante, para o fortalecimento das lutas sindicais. 

Em uma assembleia geral do SINTIFRJ após o falecimento do Jorge, o professor foi lembrado com saudades pelos presentes. Servidoras e servidores, alunas e alunos presentes, homenagearam o professor por sua dedicação à defesa da educação pública, pela sua presença assídua nas lutas, participação nas assembleias sindicais, e nas reivindicações pela garantia de direitos, tanto dos trabalhadores quanto dos alunos do IFRJ. 

A partida do professor Kwasinski: adeus ao amigo Jorge

Foi surpreendente para todos ver Jorge Kwasinski partir. Em especial, porque tantas vezes ele tinha “dado rasteira” na morte. Jorge já tinha sofrido um outro acidente, de carro, na Avenida Brasil. Na ocasião, o amigo Roberto estava lá para resgatá-lo. 

E meses antes do falecimento, ele havia enfrentado um câncer. Até nesse momento, os laços que criou estavam ali para ampará-lo. Buscando atendimento no SUS, Jorge deu uma sorte muito grande: quando deu ingresso no sistema, um ex-aluno dele estava de plantão e conseguiu que ele fosse operado por uma turma experimental no hospital Pedro Ernesto, da UERJ. A cirurgia poderia custar cerca de 150 mil reais, caso tivesse que pagar médico e hospital particulares. Essa rede de amizade que Jorge tinha com os alunos e colegas salvou a sua vida, daquela vez. 

Roberto lembra emocionado a última vez que falou com o amigo: “no dia anterior ao acidente, era aniversário da netinha dele, e ele chamou a gente. Eu não consegui ir porque eu estava com meu filho, de dois meses na época”. No dia seguinte, Roberto recebeu a notícia que o abalou profundamente. Jorge ficou hospitalizado por três semanas. Após um quadro de melhora, piorou novamente e veio a óbito. 

O velório foi num sábado à tarde ensolarado e bonito. Lá, estavam presentes familiares, amigos e muitos alunos do IFRJ e de outras escolas em que ele atuou. Alunos que, ali, prestavam homenagem ao querido professor que os deixava. Como conta Lucas, que fez questão de discursar: “não foi algo planejado. Só fui lá, de fato, para dar meus pêsames à família, aos colegas… Aí, no final do velório, teve a fala do filho, da sobrinha que foi criada pelo Jorge, do Roberto… E aí, nisso, meio que me deu uma angústia, eu também quis falar um pouquinho. Então eu contei a minha versão, como aluno, da trajetória dele”. O aluno, saudoso, reflete: “a falta dele pode vir a fazer com que muitos repensem: ‘já que não teremos mais o espírito de oposição do Jorge, será que nós conseguiríamos pensar da maneira que o Jorge pensava?” –  questiona. “Acho que as pessoas vão passar por aquele processo de ter aquela pulga atrás da orelha: ‘o que o Jorge falaria agora?’” – acredita.

“Eu tenho certeza que os companheiros do sindicato reconhecem o Jorge como um grande nome, um grande homem, que vai deixar um legado” – considera Roberto. “É uma grande perda para a música, para a matemática, para a educação, para os amigos. É uma pena que ele tenha partido dessa forma, mas o Jorge, está em nós também. É isso, salve Jorge, viva Jorge!” –  finaliza o amigo. 

Jorge Kwasinski vai deixar sua marca para sempre no Instituto, no SINTIFRJ, e no coração daqueles que conviveram com ele! 

Jorge Kwasinski PRESENTE! Hoje e sempre!