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Em entrevista ao SINTIFRJ, o professor Gabriel Magalhães Beltrão explica os impactos da reforma administrativa no serviço público

Gabriel Magalhães Beltrão, de 36 anos, professor de sociologia do IFAL, mestre em sociologia, diretor do Sintietfal/SINASEFE-AL e militante da Corrente Sindical Unidade Classista, em entrevista para o SINTIFRJ falou sobre a Reforma Administrativa. Na conversa, ele citou alguns dos impactos da reforma no serviço público federal, assim como o congelamento de salários e a diminuição no ritmo de reposição (aposentadoria e falecimento). Dentre diversos outros exemplos, Gabriel colocou ainda como o mesmo governo Bolsonaro conseguiu enfraquecer a luta sindical no país. Não deixe de ler a entrevista e divulgue:

1- Quando começou essa ameaça ao serviço público com o chamado ‘carreirão’ ainda no governo Temer: Quais eram as pautas colocadas já naquela época?

A partir de 2012 a economia brasileira entra num processo lento, mas progressivo, de deterioração, o que vai impactando negativamente a taxa de lucro das grandes empresas. Este aspecto é essencial para se entender a desestabilização política que o país passou a vivenciar a partir de 2014. A Operação Lava-Jato foi essencial para esta desestabilização com fortíssimas consequências econômicas. Pois bem, o golpe jurídico-parlamentar de 2016 contra a Presidenta Dilma – a despeito da sua política econômica em 2015 ter buscado acalmar os ânimos do “andar de cima”, contrariando o desejo dos seus eleitores em 2014 – , teve como horizonte estratégico o chamado “Ponte para o Futuro”, projeto apresentado pelo (P)MDB e que espelhava os interesses do conjunto das classes dominantes no Brasil. Sua estratégia é operar uma verdadeira contrarreforma radical que refuncionalize o Estado no Brasil, adequando-o às necessidades de acumulação do grande capital no país. Concretamente falando, o objetivo é extirpar totalmente, ou o máximo possível, os aspectos inscritos na Constituição de 1988, bem como na legislação infraconstitucional, que beneficiem os trabalhadores e que garantam o mínimo de soberania nacional. Mercantilização da vida é a síntese do que está em marcha no Brasil desde 2016.

Ora, serviço público, estatal, gratuito e de qualidade, assentado na figura do servidor público estável e concursado, é tudo que o projeto estratégico das elites nacionais quer destruir. Portanto, essa proposta de “carreirão” no serviço público federal vem na esteira deste objetivo. O “carreirão” pretende extinguir dezenas de carreiras públicas consolidadas, muitas com décadas de existência, com servidores qualificados e especializados na consecução das suas respectivas atribuições, substituindo-as por algumas “carreiras” com um escopo de atribuições completamente amplo e aleatório. A proposta representaria, sem dúvida, a desespecialização no serviço público, a adoção da chamada polivalência, com o único objetivo de permitir à Administração uma gestão “flexível”, conceito advindo da administração de empresas, da sua força de trabalho. Isso impactaria negativamente a vida do servidor, que se veria na obrigação de cumprir infinitas tarefas, sempre na iminência de ser redistribuído para outros órgãos, inclusive com mudança de cidade e estado; essa desespecialização surtiria efeitos negativos sobre a prestação do serviço público, prejudicando a produtividade do servidor; por fim, a quebra das identidades das carreiras visa economizar despesas com pessoal, de modo que, sem sombra de dúvida, esses “carreirões” ampliariam o número de anos para se atingir o topo e as progressões/promoções teríamos seus percentuais reduzidos em relação aos atualmente vigentes. Portanto, qualquer proposta de modificação das carreiras neste governo deve ser refutada, pois certamente as premissas para a reformulação serão estas.

2- Após esse histórico, fale como isso chegou ao governo Bolsonaro e em que momento estamos no congresso sobre o tema da ‘Reforma Administrativa’. De forma geral, quais as principais retiradas de direitos colocados neste momento ao funcionalismo público?

Como dissemos acima, o governo Bolsonaro é a continuação radicalizada, e fascistizada, de um projeto estratégico do grande capital no Brasil que foi iniciado a partir do golpe de 2016. O objetivo é refuncionalizar ao máximo o Estado brasileiro às atuais necessidades de acumulação de capital, numa economia cada vez mais financeirizada e reprimarizada. Não é de hoje que as classes dominantes brasileiras se colocam em contradição com os ganhos democráticos da CF88, principalmente com a Seguridade Social e com os preceitos da Administração Pública, assentada no concurso público e na estabilidade. Ainda em 2016 cravaram na Constituição a EC95 (Teto de Gastos), uma excrescência que não existe em nenhum lugar do mundo e cujo objetivo é blindar a política fiscal dos objetivos constitucionais de desenvolvimento e de bem-estar social. A máxima liberal segundo a qual “a Constituição não cabe no orçamento” tem agora na própria Constituição um aliado, afinal, entre o direito constitucional à saúde e a EC95 quem tem prevalência? Certamente esta última, como denuncia o Conselho Nacional de Saúde ao mostrar que em 2019 a saúde perdeu R$ 20 bilhões em recursos em relação a 2017, primeiro ano de vigência do teto. Na educação, em 2019 a perda de recursos já atingiu o montante de R$ 16, segundo levantamento do INESC.

Em 2019 desferiram o golpe da contrarreforma da Previdência, estimando-se uma expropriação da economia popular de cerca de R$ 2 trilhões em 20 anos. No que tange ao serviço público federal, o congelamento de salários e a diminuição no ritmo de reposição (aposentadoria e falecimento) foram as primeiras consequências da EC95. As despesas com pessoal ativo civil da União caíram de R$ 132,3 bi em 2017 para R$ 116,18 bi em 2020, com a despesa total (ativos e inativos) caindo percentualmente em relação ao PIB, de 4,4% em 2019 para prováveis 4,2% em 2021, segundo o Instituto Fiscal Independente (IFI). O arrocho salarial já está sendo sentido, com consequências dramáticas naqueles cargos de menor remuneração. Os reajustes dos planos de saúde têm sido altíssimos nos últimos anos, as contas começam a não fechar. Quanto à reposição, nos Institutos Federais já estamos sentindo na pele a orientação do Ministério da Economia em não liberar códigos de vagas, forçando os servidores a desempenhar o chamado trabalho compartilhado, o que deve recrudescer daqui em diante caso essa política seja mantida. Desta forma, a PEC 32 vem para sintonizar o serviço público brasileiro à EC95: é impossível um conviver com o outro, é batalha de vida ou morte. Ou derrubamos a EC95, ou a EC95 destrói o serviço público e o Brasil.

A PEC32 busca “matar” o serviço público com dois golpes simultâneos emanados do Teto de Gastos: por um lado, suprimindo a estabilidade e o concurso público, que seriam substituídos por uma miríade de contratos de trabalho precários e passíveis de demissão ao sabor do ciclo econômico e dos interesses políticos imediatos; por outro, trazendo a subsidiariedade à condição de princípio da Administração Pública no artigo 37 da CF. A subsidiariedade significa que o Estado se desresponsabiliza pela prestação dos serviços públicos, que ficam a cargo da iniciativa privada e do setor público não estatal. Neste último caso, o Poder Público selará instrumentos de cooperação, com órgãos e entidades, públicos e privados, para a prestação do serviço público, desresponsabilizando-se por tal. Ocorrerá a universalização das Organizações Sociais (OSs) por todo o serviço público brasileiro, precarizando as condições salariais, de trabalho e, por conseguinte, a prestação do serviço público à sociedade.

3- Depois de explicar o histórico e de como está o andamento desses pontos no congresso, nos diga quais são os principais impactos, – seja no congelamento do salário, demissões em massa ou mesmo na precarização do trabalho -, dentre outros impactos que a reforma administrativa pode trazer para os servidores e servidoras dos IFs? O que isso pode prejudicar no trabalho de cada servidor e no funcionamento dos IFs?

A professora Graça Druck, da UFBA, bem definiu a contrarreforma administrativa como a contrarreforma trabalhista do setor público. Seus defensores sequer disfarçam que o objetivo da proposta é reduzir a despesa com pessoal e ampliar os espaços para acumulação privada a partir da captura dos fundos públicos abertos com a privatização, seja de forma explícita ou velada – via OSs. Segundo estimativas do IFI, a contrarreforma administrativa reduzirá a despesa com pessoal civil na União em aproximadamente R$ 57 bi em 10 anos (2022-2031). Caso somado os estados, essas despesas serão reduzidas em R$ 130 bi. Essas estimativas preveem congelamento salarial até 2027, elevação do tempo médio das carreiras na União de 20 anos para 40 anos, redução do percentual médio de elevação salarial nas progressões/promoções de 3% para 1,5%, redução da taxa de reposição (aposentadoria e mortes) de 100% (o que já não é fato) para 60% e redução do salário inicial nas carreiras para o equivalente a 70% dos valores atuais. Trocando em miúdos: mesmo que os termos finais não sejam exatamente estes, o que será definido mediante leis infraconstitucionais após a aprovação da PEC32, a precarização das condições remuneratórias é nítida, gritante.

Os recursos “economizados” serão utilizados para reduzir o déficit primário da União, que em 2020 atingiu a cifra de R$ 743 bi, ou seja, não serão destinados a investimentos como querem nos fazer crer os apologetas da destruição do serviço público. É importante que todos saibam o seguinte: se é verdade que o conjunto do serviço público é alvo da PEC32, também é verdade que – a nível federal – o principal alvo do governo é a educação, as Universidades e Institutos Federais mais especificamente. Os ultraliberais não toleram que entre 2008-2018 a despesa com pessoal nas Universidades tenha crescido de R$ 13bi para R$ 23bi, muito menos que a criação dos IFs a partir da Lei nº 11.892/08 tenha implicado num “gasto” de R$ 10,5bi com docentes e TAEs. Segundo o IFI, em 2018, o MEC foi o ministério com a maior despesa com pessoal na União, R$ 48bi do total de R$ 153bi, o que equivale a 31%. Sem sombra de dúvida isso é um acinte para Bolsonaro, Guedes e todos os parlamentares comprometidos com os interesses estratégicos do grande capital no Brasil.

Em termos de quantitativo de pessoal, o contingente do MEC saltou de 174 mil em 2008 para 300 mil em 2018, crescimento de 73%, quase que na totalidade decorrente da expansão das Universidades e IFs. Foram mais 56 mil servidores nas Universidades e mais 74 mil nos IFs. A título de comparação, no Executivo federal o segundo ministério com mais servidores é o da Economia, com 91 mil servidores, seguido pela saúde com 62 mil (2019). Além disso, do contingente do MEC, 90% estava na condição de servidores públicos estatutários, regidos pela Lei 8.112/90, diferentemente, por exemplo, do Ministério da Saúde, que em 20 anos (2009-2019) reduziu os RJU de 98% para 60%, demonstrando a ampliação da contratação de trabalho por outros vínculos, um dos principais objetivos da PEC32. Portanto, a educação federal é o principal inimigo do governo e de todos aqueles que defendem a PEC32.

4- Para finalizar, como a categoria pode se mobilizar para tentar barrar estas e outras retiradas de direitos colocadas na ‘Reforma Administrativa’?

Segundo o IBGE, as taxas de sindicalização no Brasil são historicamente baixas, refletindo um mercado de trabalho marcado por forte informalidade e alta flexibilidade nas relações formais – o que foi agravado com a contrarreforma trabalhista de 2017. Nos últimos anos essa taxa tem caído ainda mais: saiu de 16% da população ocupada em 2012 para 11,2 em 2019, reflexo da crise econômica que assolou o Brasil em 2015-2016, da estagnação dos anos seguintes e da contrarreforma trabalhista que atingiu duramente os sindicatos com o fim abrupto do imposto sindical e com a liberação para a livre negociação entre os trabalhadores e patrões. A luta do capital contra a organização dos trabalhadores fica nítida nesses números.

Dentre os cerca de 12 milhões de servidores públicos, todavia, a taxa de sindicalização é o dobro, atingindo 22,5% em 2019. Segundo o DIEESE, entre 2016-2019, 52% das greves ocorridas no país foram no setor público. Tudo isso nos leva a concluir que o direito à estabilidade – conquistado em 1988 e nevrálgico para a profissionalização do serviço público e seu afastamento necessário das pressões econômicas e políticas imediatas – é um incômodo ao neoliberalismo, pois proporciona maior capacidade reivindicativa aos trabalhadores contra os desígnios do capital. Lembremos que a ditadura empresarial-militar de 1964 suprimiu o direito à estabilidade no setor privado e o substituiu pelo FGTS, ou seja, para o capital é preferível um custo financeiro a mais do que conferir estabilidade ao trabalhador.

Bolsonaro atacou o sindicalismo dos servidores federais ao tentar burocratizar a arrecadação da contribuição sindical, o que não prosperou em razão da pressão dos sindicatos junto ao STF e ao Congresso. Disse tudo isso para concluir o seguinte: mais do que nunca, o conjunto dos servidores públicos tem que fortalecer suas entidades sindicais e junto com elas lutar contra o arrocho salarial, a EC95, a EC109 e contra a PEC32. A luta é dura, mas é possível vencer. Ampliar os elos com o conjunto da classe trabalhadora é essencial, se somando às lutas contra as privatizações das empresas públicas, por direitos sociais negados como moradia e alimentação, de modo a se erigir um amplo movimento capaz de dobrar e derrubar o governo. A bandeira do “Fora Bolsonaro-Mourão-Guedes” é um guarda-chuva que deve trazer consigo todas essas outras, afinal, de nada adianta tirarmos Bolsonaro e o próximo Presidente executar a mesma política de destruição do serviço público e do Brasil.