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Future-se: Objetivo é mudança estrutural da educação

O SINTIFRJ preparou uma série de entrevistas sobre o ‘Programa Future-se’, e o segundo a falar sobre o tema é Rodrigo Lima, de 36 anos, professor de Sociologia do IFSC – Campus Araranguá. Para ele, os reais objetivos do Programa consistem em uma mudança estrutural da educação no país, que através da minuta do projeto de Lei sinaliza para a alteração de 16 leis vigentes, passando por alterações em questões como a autonomia, o financiamento, a produção científica e tecnológica, a carreira dos/as trabalhadores/as em educação, entre outros pontos. O projeto tem como um de seus grandes objetivos retirar o compromisso do Estado com o financiamento e a gestão da educação superior e da educação profissional e tecnológica, fazendo com que Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) e as instituições que compõem a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT) tenham de captar no mercado, através de Organizações Sociais, os recursos necessários para a sua manutenção e funcionamento. Quer saber mais? Leia entrevista completa abaixo:

1) O que é o Programa Future-se: Quais são os principais pontos, novidades, propostas pelo Mec? Você considera que este projeto foi discutido com a comunidade acadêmica?

O Programa Future-se foi apresentado pelo Ministério da Educação no dia 17 de julho de 2019, sem passar por nenhuma debate ou construção anterior junto às comunidades acadêmicas das universidade e dos institutos federais. A apresentação do Programa ocorre em um dos cenários de maior crise já vivenciado pela educação pública no país. Vivemos um ciclo de cortes orçamentários que foi iniciado ainda em 2015, com a política de austeridade implementada no segundo Governo de Dilma Rousseff (PT), a partir da agenda neoliberal articulada pelo então Ministro da Economia Joaquim Levy. Tal processo foi aprofundado após o Golpe de 2016 e atingiu um novo patamar com a ascensão do Governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro (PSL). Após o anúncio, em maio deste ano, do corte de 30% das verbas discricionárias das universidades e dos institutos federais, que estão levando ao colapso o funcionamento de muitas das instituições, o MEC apresentou o Future-se como a “grande salvação” orçamentária. Contudo, os reais objetivos do Programa consistem em uma mudança estrutural da educação no país, que através da minuta do projeto de Lei sinaliza para a alteração de 16 leis vigentes, passando por alterações em questões como a autonomia, o financiamento, a produção científica e tecnológica, a carreira dos/as trabalhadores/as em educação, entre outros pontos. O projeto tem como um de seus grandes objetivos retirar o compromisso do Estado com o financiamento e a gestão da educação superior e da educação profissional e tecnológica, fazendo com que Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) e as instituições que compõem a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT) tenham de captar no mercado, através de Organizações Sociais, os recursos necessários para a sua manutenção e funcionamento. Como afirma Luiz Filgueiras, em seu artigo Future-se: a cara de uma elite subalterna, um dos pilares do programa é criar as condições para que se aprofunde um processo de privatização do patrimônio, do orçamento e do conhecimento que são produzidos nas universidades e institutos federais. 

2) Como esse projeto se insere no contexto político e cultural dos tempos recentes do país?

É importante analisarmos que o processo de parceria público-privada entre as universidades, institutos e empresas não começou agora. Através de Fundações de Apoio, que foram regulamentadas durante os governos petistas através dos Decretos nº 5.205 (BRASIL, 2004) e nº 7.423 (BRASIL, 2010), os interesses privados já vem pautando questões ligadas à pesquisa, ao ensino e a extensão dentro das instituições públicas. Concomitante a isso, acompanhamos o crescimento de monopólios privados no setor da educação, cujo melhor exemplo é a Kroton-Anhanguera, que converteu-se no maior monopólio de educação do mundo. Após o Golpe de 2016, o processo de mercantilização e privatização da educação pública vem se aprofundado. O programa ultraliberal e protofascista capitaneado por Bolsonaro e por seu ministro da economia, o banqueiro Paulo Guedes, visam exatamente a liquidação do Estado brasileiro, e as universidades e os institutos federais são alguns de seus alvos. O teto de gastos, sustentado na Emenda Constitucional 95, aprovada no início do Governo Temer, faz parte desse processo mais amplo de desmonte da estrutura de educação pública e gratuita que assistimos hoje no país. O Future-se é mais um capítulo da agenda de desmontes de direitos e dos serviços públicos que está sendo desenvolvida para atender os interesse do capital e do imperialismo no Brasil. 

3)  As empresas privadas terão acesso às universidades à partir do ‘fundo privado’ e das OS se tal medida for aprovada?  Isso prejudicará a autonomia científica e ideológica das universidades? 

Sim, sem dúvidas. Conforme apresentado na minuta do Future-se, em seu artigo 4º “as Organizações Sociais poderão apoiar a execução das atividades vinculadas aos eixos – gestão, governança e empreendedorismo; pesquisa e inovação; e internacionalização; poderão apoiar a execução de planos de ensino, extensão e pesquisa das IFES; realizar a processo de gestão dos recursos relativos a investimentos em empreendedorismo, pesquisa, desenvolvimento e inovação; auxiliar na gestão patrimonial dos imóveis das IFES participantes; e exercer outras atividades inerentes às suas finalidades.” Ou seja, na prática as OSs passarão a gerir toda a estrutura das universidades, colocando as reitorias e a comunidade acadêmica em um papel secundário e subalterno aos interesses de uma organização externa às instituições. Será a terceirização total da gestão das universidades e dos institutos federais. Além disso, o Future-se prevê a criação do “fundo de autonomia financeira” que será constituído, entre outras coisas, a partir da transferência de recursos públicos (como o patrimônio das universidades e institutos) e da comercialização de bens, serviços e do conhecimento produzido nas instituições federais, e de investimentos de pessoas físicas e jurídicas que aplicarão em ativos no mercado financeiro. A partir desse processo, teremos a privatização das universidades e dos institutos e a submissão da sua organização e produção intelectual a lógica de mercado. 

4) O que as universidades, os trabalhadores destas universidades, e os mais pobres que nos últimos anos tiveram um pouco mais de acesso, podem sofrer com um programa como este sendo implementado nas universidades federais e Institutos Federais? Isso pode atingir programas de ação afirmativa, por exemplo ou os ‘Programas de assistência estudantil’ (PAE)?

É importante ressaltar que as IFES e as instituições que compõem a RFEPCT, não possuem uma característica elitista como muitas vezes é reproduzido na mídia e nos discursos oficiais do Governo. Com a chamada Lei de Cotas (12711/2012) 50% das vagas nas instituições federais tem de ser ofertadas para estudantes oriundos de escolas públicas. Segundo dados da 5ª Pesquisa Nacional do Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação das Universidades Federais, realizada pelo Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Estudantis (Fonaprace), da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), cerca de 70% dos estudantes das universidades federais têm renda familiar mensal per capita de até um salário mínimo. Com os cortes de bolsas e com restrições orçamentárias as políticas de assistência estudantil, a evasão poderá atingir patamares enormes, tendo em vista que muitos estudantes dependem desses recursos para permanecerem nas universidades e nos institutos. Nesse sentido, os cortes orçamentários e o  programa Future-se cumprem de forma articulada um papel perverso, pois visam a exclusão dos estudantes pobres, afro-brasileiros e indígenas, que ocuparam mais espaços nas universidades e nos institutos federais nos últimos anos 

5) Para terminar, o que os movimentos sociais, os servidores, trabalhadores, estudantes e toda a sociedade podem fazer para que um programa como este não seja implementado? Você enxerga alguma chance de reversão desse quadro?

As derrotas que a classe trabalhadora vem sofrendo no último ciclo político faz com que muitos/as lutadores/as sociais vejam de forma muito pessimista o futuro próximo. Porém, precisamos analisar que as mobilizações de massa que ocorreram neste ano, denominadas “tsunamis da educação”, representaram um dos maiores movimentos em defesa da educação pública na história do país. Mobilizações frequentes, com forte adesão e que conseguiram aglutinar setores sociais comprometidos com a defesa da educação pública, gratuita e de qualidade. Apesar de um cenário desfavorável, lutas importantes fizeram com que projetos como o Escola Sem Partido fosse derrotado, e que o Governo Bolsonaro não tenha vida fácil para implementar sua agenda na intensidade e na velocidade que deseja. O governo Bolsonaro só será derrotado com fortes e permanentes mobilizações de rua, que precisam ser amplas e que consigam unificar diversas lutas e pautas em defesa da classe trabalhadora e dos setores populares. O Future-se e seu projeto privatista e elitista pode ser derrotado. Para tanto os sindicatos, o movimento estudantil e os movimentos sociais comprometidos com a defesa da educação não podem baixar a guarda, e devem manter uma agenda de lutas aquecida e articulada. As greves estudantis, as ações contra as medidas autoritárias e antidemocráticas do Governo Bolsonaro e as ações de rua estão criando um caldo de resistência fundamental para impedir que o projeto ultraliberal e protofascista avance. Não podemos recuar!

Foto retirada de: https://www.huffpostbrasil.com/entry/sugestoes-future-se_br_5d51de83e4b0c63bcbec0995

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