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A favela e as pesquisas acadêmicas

Fransérgio Goulart de Oliveira Silva, é historiador formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Fomentador do Espaço ‘Pra que e Pra quem Servem as Pesquisas sobre Favelas’ e do Curso sobre Segurança Pública e Epistemologia Favelada. É também militante do Movimento de Favelas e do Fórum Grita Baixada. Especialista em Cartografias Insurgentes e ou Decolonial, aliado dos Movimentos de Mães e Familiares Vítimas da Violência do Estado: Mães de Maio – SP, Mães de Manguinhos, Rede de Mães e Familiares Vítimas da Violência do Estado na Baixada Fluminense e Rede de Comunidades e Movimento contra à Violência. Organizador do Encontro Internacional Julho Negro. Durante os megaeventos no Brasil e em todo o processo de implantação das UPPs, percorria favelas e periferias denunciando as violações de direitos humanos, que sofreram com a militarização feita pelas UPPs e pelo Exército brasileiro. Assessora ainda na construção de Protocolos de Proteção para Defensores de Direitos Humanos, organizações e movimentos sociais. Nesta entrevista feita para o site do SINTIFRJ, ele fala um pouco de como nasceu o ‘Pra que e pra quem servem as pesquisas sobre Favelas’ e comenta sobre os avanços e retrocessos do tema no Rio de Janeiro, confira abaixo:

1 – Como e por que nasceu o espaço ‘Pra que e Pra quem servem as pesquisas sobre favelas’?

A ideia do Espaço do ‘Pra que e Pra quem Servem as Pesquisas sobre favelas’ surgiu do incômodo de um grupo de moradores de favelas, alguns que estavam ou passaram pela universidade e ficavam incomodados como a favela era, e ainda é tratada pela universidade como um mero objeto que não constrói conhecimento.
Outro incômodo vinha de algumas experiências de pesquisas que a favela era o foco, mas que ao final, os pesquisadores externos, nem voltavam para dar o retorno do resultado dessas pesquisas.
Por vezes, a coisa beira ao fetiche e, por fim, avaliamos que a visão colonizadora branca cristã ocidental prevalecia na relação com a favela e favelados. Pois pesquisadores externos querem dizer e afirmar com suas pesquisas o que seria melhor para nós. Aqui, quero deixar uma indagação: ‘por que essa galera só pesquisa oprimido, no lugar de entender/pesquisar que muitos dos seus privilégios nos oprimem?’
A partir de tudo isso materializamos o espaço com os seguintes objetivos: afirmar que favela é produtora de conhecimentos e epistemologias; construir um diálogo com a universidade para tensionar e que a médio e a longo prazo possamos ter uma Universidade, uma Pluriversidade Indiscisplinar.

2 – Quantas edições já foram realizadas? Como é a escolha dos convidados e convidadas, qual a metodologia do encontro e principais temas ou questões já abordados nos encontros?

Lançamos em 2017, e estamos há dois anos realizando esses encontros. Estamos chegando ao 10º encontro. A metodologia é gerar um espaço autogestionado em que as(os) participantes se sintam parte e responsáveis por aquele espaço. O ‘Pra que e Pra Quem’ é coletivo e sem inscrições, ou seja, todos são responsáveis por essas questões. Em um determinado encontro, um participante falou muito e o coletivo fez ponderações. Na metodologia, temos sempre convidadas(os) que são chamados a partir dos temas, mas sobretudo por suas vivências. Também temos mesclado moradores de favelas, pesquisadores que moram em favelas e pesquisadores externos.
A cada evento um tema ou uma nova questão surge e isso vai produzindo os temas dos próximos encontros. Já tivemos como temas de reflexão: Branquitude e Elite; O que é Conhecimento? Raça e Classe? Uma outra Psicologia é Possível?; Paz e Militarização, Cultura, favela e periferias…Aqui vale dizer que esses temas são sempre mediados a partir de como se dá a relação entre Universidade e favela, moradores e pesquisadores.
Vale salientar que os encontros são realizados de forma descentralizada e em quase 100% foram realizados em favelas. Dos nove encontros até agora, apenas um aconteceu fora da favela. Tivemos a experiência de fazer um na UERJ.

3 – O que o ‘Pra que e pra quem’ já provocou de debate e de melhoria desta imagem da favela e do favelados nos meios das pesquisas e espaços acadêmicos do Rio e país? Como os institutos, as universidades e as escolas públicas podem melhorar suas pesquisas sobre o lugar favela e o favelado?

Acho que o ‘Pra Que e Pra Quem Servem as Pesquisas sobre favelas’ vem potencializando a disputa dentro das universidades pelo reconhecimento da existência de outras epistemologias e para criar um tensionamento para pensar novos currículos, bibliografias…
Vale destacar que o ‘Pra Que’, se junta a outras experiências para realizar essa disputa como as do ‘Coletivo Nuvem Negra’, da PUC, do curso ‘Histórias Vivas’, da querida Gizele Martins, do ‘CEPEDOCA’, do Raízes em Movimento, entre outros.
Outra avaliação é que pesquisadores externos começam em vez de pesquisar a favela e oprimidos, a terem na sua perspectiva de pesquisa os opressores e a questão dos privilégios.
A partir do ‘Pra que e Pra Quem’ tivemos a experiência e desenvolvemos dois mini cursos sobre Novas Epistemologias, Privilégios e Pluriversidade Indisciplinar, na PUC, um com o Instituto de Relações Internacionais e outro na semana acadêmica de ciências sociais. Também tivemos em outras Universidade Públicas. Atualmente, estamos em diálogos com algumas Universidades para que possamos rodar com o ‘Pra que e Pra Quem’ pelo Brasil e fora do país.
E, por fim, vejo que institutos e universidades podem melhorar suas pesquisas sobre o lugar favela, deixando a sua visão colonizadora de lado, o que possibilitará entender que favela e favelados(as) são construtores de epistemologias a partir das suas vivências. Também, aqui, quero destacar que se institutos e universidades querem construir pesquisas sobre nós, precisam entender que desde sua concepção, nós precisamos estar presentes com voz e vez.

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