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Balanço da gestão Paulo Assis na Reitoria do IFRJ

Balanço da gestão Paulo Assis na Reitoria do IFRJ: o excremento de um processo democrático

O início de uma nova gestão geralmente é marcada com alegria e esperança. No caso do IFRJ, as novas gestões (pelo menos esta que temos e a que tivemos quatro anos atrás) inspiram nos servidores sentimentos diversos, não propriamente um sentimento de esperança, mas um bom e velho “até que enfim”. A gestão Paulo Assis, como poucas em todo o Brasil, foi uma das quais os servidores mais ansiaram para ver terminada. O novo reitor, festejado então por quase todos os servidores, assume seu tão perseguido cargo envolto em uma atmosfera de esperança e júbilo, mas não necessariamente por suas qualidades pessoais e sim porque poucos acreditam que pode existir uma gestão pior que essa que passou.
E toda essa decepção tem um motivo, a eleição de Paulo Assis foi a expressão de um dos momentos mais fortes de mobilização e busca de uma renovação no IFRJ. Até então, as sucessivas gestões do IFRJ foram ocupadas em revezamento por membros do mesmo grupo político. Havia, é claro, alguma diferença entre os Diretores Gerais e reitor anterior, mas os nomes se repetiam em cada gestão. A última gestão, cujo reitor era Fernando Gusmão, foi aquela que Paulo Assis sucedeu. E foi talvez a pior delas até então. Um reitor ausente, desprovido de iniciativa, dava a impressão de que o IFRJ se arrastava, devolvendo recursos todos os anos, a expansão que não andava e etc. Em seus momentos finais, revelou-se um escândalo, com direito a operação da política federal, cobertura das emissoras de TV e tudo: a denúncia de um desvio de aproximadamente um milhão de reais em combustíveis. Jeito ruim de acabar. Lançando uma sombra de desconfiança em toda a administração. Uma auditoria pública nas contas chegou a ser pedida, mas Paulo Assis, como se tornaria marca em todo o seu mandato, arrumou uma desculpa para dizer que “não podia fazer nada…”.
A desastrosa gestão de Gusmão foi especialmente irritante porque coincidiu com um momento de ascensão das lutas no IFRJ e na rede federal de uma forma geral. Em 2008, a então CEFETEQ se transformou em IFRJ, e a partir daí vários campi foram criados, em pouco tempo o número se servidores e estudantes mais do que dobrou. Em 2011, o IFRJ já tinha treze campi, contando com a reitoria, ainda que os servidores mal se conheciam. Mas nesse ano ocorreu uma forte greve na rede. A mobilização construída à época paralelamente ao sindicato, foi um momento muito rico. A memorável assembleia realizada no auditório do Maracanã, lotada de servidores e alunos foi tão cheia, que precisamos ocupar todos os espaços vazios, inclusive o chão e o palco do auditório do Maracanã. Muito se lembraram de uma frase atribuída à professora Flávia, então do campus do Paracambi: “o IFRJ nasceu hoje”!
Aquela greve foi sem dúvidas um projeto de democracia institucional em gestação. Teve momentos simplesmente históricos, como os comandos de greve construídos em todos os campi, as assembleias gerais e locais, o nascimento de nossa rede de comunicação pelos e-mails, que começou através da simples junção das listas dos endereços eletrônicos dos servidores de todos os campi e tantas outras construções que se seguiram. Um dos pontos altos dessa greve foi o ato na Bienal do livro, construído na assembleia do IFRJ e depois levado às outras instituições federais através do Comando Estadual de Greve, teve repercussão nacional e foi noticiada até internacionalmente. Conseguimos encurralar o governo Dilma, arrancando uma audiência com o então Ministro Fernando Haddad e conseguir deste o compromisso de uma resposta à nossa pauta na semana seguinte. A proposta de acordo veio, com progressão DI-DIII, trinta horas, racionalização dos cargos, direito do técnico ser candidato a reitor etc. A única coisa que a proposta não contemplava era um reajuste salarial para os técnicos (na época os docentes haviam conseguido 4% graças a um acordo assinado em separado com ANDES e PROIFES). A categoria em todo o país entendeu que esse ponto era negociável, não aceitou o acordo e acabamos por perde-lo totalmente. Hoje, se conseguíssemos numa greve um só dos pontos que ali constam, acharíamos uma grande vitória. Em 2012 tivemos outra greve e efetivamente tivemos vários avanços, mas jamais conseguimos recuperar o acordo que havia sido feito em 2011, nem nas greves de 2014, 2015 (ocorrida na rede, mas que o IFRJ não fez) ou na de 2016.
O fato é que nem só de pauta nacional viveu nossa mobilização. Durante a greve de 2011 por proposta da reitoria de Gusmão e acatada em assembleia, surgiu o GT de demandas internas. Com portaria institucional, participação de um técnico, um aluno, um servidor por campus, mais titular e suplente, bem como representação dos diretores, da reitoria e do sindicato. O GT de Demandas Internas foi um momento muito importante de consolidação da nossa mobilização. Com realização de Assembleias regulares, para deliberar sobre o que era levado ao GT, o debate transcorria até o esgotamento de cada ponto. O GT poderia ter ido muito além, ainda que tenha conseguido êxitos importantes, como destravamento da concessão de Dedicação Exclusiva, o edital de remoção, dentre outros. Mas mesmo com ganhos limitados foi uma ação democrática e original da gestão de Gusmão em relação à qual temos de tirar o chapéu.
Por que é importante esse pequeno histórico? Exatamente porque foi em meio a essas mobilizações que os servidores então mobilizados conheceram Paulo Assis. Na época Paulinho, como os mais íntimos o chamavam, já era professor há muitos anos da instituição. Para grande parte de nós era quase uma honra ter entre nós aquele que tinha ficado em segundo lugar nas últimas eleições e parecia ser um depósito de esperanças. Paulo Assis comparecia a todas as assembleias, se colocava para participar de todas as comissões. Chegava a ser às vezes irritante Paulo Assis nunca estar satisfeito com nada e viver de “solicitar” ao comando de greve, ao GT de demandas internas, ao sindicato, ao SINASEFE, que fizessem isso, fizessem aquilo, sempre mais do que estávamos pedindo e sempre mais do que efetivamente estávamos conseguindo. Para alguns de nós é forte a lembrança de Paulo Assis nas assembleias achando que tudo em nossa pauta era pouco, que devíamos pedir mais, exigir mais, radicalizar mais. As críticas à gestão Gusmão, que se negou por exemplo a cumprir a resolução do Conselho Superior que deu aos técnicos a progressão por salto foi enorme por parte de nosso então “provável candidato”.
Não era raro Paulo Assis comentar com alguns servidores nas assembleias que a nossa solução não passava por ter um sindicato forte, mas sim conquistar a reitoria. “Tudo isso que a gente está pedindo”, dizia ele, “se resolve de uma vez só, com uma canetada, é só a gente eleger o Reitor, e nós podemos fazer isso”. Numa assembleia sindical, Paulo Assis chegou a propor que se formasse uma comissão para estudar uma candidatura indicada pelo sindicato à Reitoria. Ali já se demonstrava o seu oportunismo rasteiro. Uma questão de ordem foi feita, explicando-lhe que o sindicato enquanto instituição não apoiaria ninguém, mas que o movimento sindical, entendido como o conjunto de servidores que atuam nas mobilizações independentes da instituição sindical, poderia apoiar quem quisesse. Quando veio a eleição, ativistas do movimento sindical se posicionaram e atuaram na eleição, não houve nenhum nome entre os servidores mais atuantes, mesmo porquê nenhum destes atendia os pré-requisitos para se candidatar. O movimento sindical se dividiu nas então quatro candidaturas existentes, mas a maior parte acabou por apoiar Paulo Assis em função de sua maior proximidade histórica. A candidatura Paulo Assis, no início uma chacota para muitos, foi crescendo e, com o transcorrer do processo, mui rapidamente ficava claro que era uma candidatura forte. Tivemos alguns percalços desagradáveis tendo de explicar que não era a candidatura do sindicato, o que era às vezes difícil, pois Paulo Assis chegou a convidar alguns servidores para sua reunião de campanha, dizendo que era reunião do sindicato. Alguns também ameaçaram se retirar da campanha porque depois de um determinado momento, Paulo Assis resistia a falar que garantiria a progressão por salto para os técnicos, não manteria o DGP, etc. Muitos dos servidores mobilizados na candidatura atribuíram à “intriga da oposição” às advertências que nos faziam vários servidores de que Paulo Assis era autoritário e cioso demasiadamente do seu poder. E surpreendentemente para muitos, Paulo Assis foi para o segundo turno em primeiro lugar, o então candidato derrotado no primeiro turno Rafael Almada procurou a equipe de campanha para oferecer seu apoio em troca de uma pró-reitoria, Paulo Assis chegou a balancar, mas acatou a vontade da maioria, que não requeria esse apoio, nem de graça. E a solução se mostrou acertada, Paulo Assis foi eleito numa candidatura surgida das bases, sem recursos e sem apoios institucionais, sem negociatas, apresentou a equipe antecipadamente ainda durante as eleições (e efetivamente nomeou os que anunciou). A vitória eleitoral de Paulo Assis foi uma vitória com V maiúsculo.
Durante a eleição para reitoria, Paulo Assis foi o exemplo de condução democrática, admitia ser centralizado pelo Coletivo Mudança, acatava a deliberação da maioria e não fazia questão de tomar a palavra a todo momento. Foi só ele ser eleito para tudo isso mudar abruptamente. Já durante as primeiras reuniões logo após sua eleição, o gestor arrogante e pirracento começou a se mostrar. Figuras que durante a campanha tiveram uma participação ultra-secundária emergiam para o centro das articulações. A maior parte dos membros do movimento sindical não queriam cargos, e obviamente os “amigos” do Paulo Assis, que só apareceram quando a fatura estava liquidada, acorreram aos montes.
Mas apesar disso, a gestão ainda estava em disputa, ainda que permaneceria assim em pouco tempo. Já na greve de 2014, Paulo Assis demonstrou que enquanto reitor não dava o mesmo apoio para a mobilização que até então dava. Era uma dificuldade fazê-lo concordar com as propostas dos servidores deliberadas em assembleia (na época que ele era apenas um provável candidato, cumpre lembrar, chegou a dizer que a Reitoria deveria se submeter à assembleia e pronto). Com muito custo aceitou reconhecer o trabalho da comissão de calendário, e a comissão de remoção ele desrespeitou solenemente. A Comissão de RSC, cujos trabalhos avançaram a passos largos, precisou de muita pressão para ser portariada, e as sabotagens e má vontade de Paulo Assis custaram aos servidores do IFRJ os retroativos de 2014, que várias instituições receberam, mas o IFRJ não.
As companheiras da Diretoria de Assistência Estudantil, perseguidas, desrespeitadas e assediadas moralmente foram as primeiras a romperem publicamente com a gestão, no começo de 2015. Pouco depois os membros ainda ligados ao movimento sindical que permaneciam na gestão e nela davam batalha pela implementação da recuperação paralela, pela transparência nos processos de remoção e outras medidas. De tanto enfrentarem o reitor, foram exonerados. A gestão rapidamente caminhava para se tornar o oposto daquilo que havia prometido ser. A promessa virou farsa. A então gestão revelava a sua face.
As propostas centrais da campanha, tais como uma gestão democrática e transparente, a progressão por salto para os técnicos, propostas simples como o fim do ponto docente, etc, se arrastaram sem solução na gestão Paulo Assis. Um reitor tímido, medroso, que se colocava como um mero subordinado do MEC, que dizia “fazer o que lhe mandavam” simplesmente. Um reitor que se recusava a discutir com a comunidade o orçamento dos campi, que se fazia papel de analfabeto funcional ao ler o regimento do Conselho Superior, tentando convencer a todos que o texto lhe conferia poderes extraordinários (o que claramente não era o caso, as conclusões tiradas a partir da leitura gaguejante eram risíveis), que solicitava pareceres do procurador a todo o momento para ter desculpas para não cumprir suas promessas de campanha.
No período final de seu mandato, Paulo Assis sequer recebia os representantes do sindicato. Recusou responder por meses solicitação da coordenação geral do SINTIFRJ para uma reunião de negociação de pautas sindicais. No CONSUP conduzia as reuniões como bem pretendia, em total arrepio às normas democráticas. Em resumo, um reitor com postura altamente antidemocrática. Esquecendo ter sido eleito pelas bases e oriundo do apoio do movimento sindical, virou-lhe as costas. Ao invés de uma gestão de resistência ao governo golpista, foi subserviente e antissindical.
Ao fim e ao cabo, a gestão Paulo Assis foi o avesso do que prometeu, e um dos resultados mais nefastos foi a desmoralização da proposta de uma gestão progressistas. Embora a parte vinculada às lutas sociais há muito tenha abandonado sua gestão, o fato de Paulo Assis ter sido eleito com base numa mobilização coletivo foi utilizado por setores saudosos do poder (e ansiosos para voltarem) para desmerecer outras iniciativas coletivas nos processos recentes de consulta à comunidade no IFRJ. De fato, Paulo Assis foi eleito por nós, embora não seja mais parte de nós. A gestão Paulo Assis foi na verdade a parte que desprende de um corpo vivo e saudável, a parte final de um processo de fermentação e digestão, de um rico processo de esperança e mobilização.
Não cometeremos mais esse erro!

Fabiano Godinho Faria e Coordenação Sintifrj

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