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Intervenção Não!

ENTENDA PORQUE A INTERVENÇÃO DO RIO DE JANEIRO NÃO VAI FUNCIONAR E O QUE TEMOS DE FAZER PARA DERROTÁ-LA

Fabiano Faria – Coordenador Geral do SINASEFE

A segurança é uma das políticas públicas fundamentais e ninguém em sã consciência ignora esse fato. O que poucos se dão conta é que a sensação de insegurança generalizada, beirando ao desespero social, não é algo que surja espontaneamente e não necessariamente traduz um aumento na mesma proporção da criminalidade e da violência real.

Dito de outro modo, podemos ter uma população excitada ao extremo, sentindo o risco de ser assaltada ou morta a cada instante, e esse medo real ser em grande medida alimentado pela veiculação sensacionalista de algumas imagens.

Ninguém entre nós ignora a violência no Rio de Janeiro, assim como também o fato de a mesma não ter surgido agora. Todavia, durante o recente carnaval, assistimos todos à repetição insistente de algumas imagens até quase à exaustão. O resultado disso foi o aumento exponencial da sensação de insegurança e desespero, ambiente ideal para o anúncio em “boa hora” de uma intervenção das Forças Armadas para “resolver” esse problema no Rio de Janeiro.

Também não é segredo para ninguém que a intervenção federal é muito bem vista para um setor numeroso da população. E justamente estimulados por esse apoio é que o Congresso Nacional pode votar com folga na Câmara e no Senado, o infame decreto de intervenção federal de Temer.

Por sua vez, o apoio popular à ação das Forças Armadas para combater a criminalidade está relacionado à uma maneira equivocada de se compreender a segurança enquanto política pública cuidadosamente construída e muito bem assentada no senso comum: a de que só o aumento do poder do Estado e da imposição de leis mais duras podem fazer diminuir a insegurança.
Em termos bem elementares, a segurança enquanto política pública está assentada em três vieses principais, articulados entre si: segurança primária, secundária e terciária.

Por segurança primária, compreendem-se todos os serviços e oportunidades oferecidos pelo Estado que, em seu correto funcionamento, fariam diminuir o número de candidatos ao crime. São os serviços de saúde, educação, moradia, assistência social, direitos humanos, condições de empregabilidade, etc. A política primária de segurança pública, abrange muito mais do que a polícia e os presídios, mas todos os serviços sociais que contribuem para que em países como Suécia, Noruega, Finlândia, Canadá, etc, os índices de criminalidade sejam mínimos. Penso que não é necessário gastar muito espaço para falar da qualidade das ações de prevenção à criminalidade no Brasil…

Por segurança secundária compreendemos os sistemas de segurança policial e prisional, são o conjunto de dispositivos públicos que as pessoas se acostumaram a associar à segurança, como se fossem os únicos. O policiamento, por exemplo, é elemento da política secundária de segurança pública, grosso modo, se divide entre policiamento ostensivo e investigativo.

Por policiamento ostensivo, entendem-se as polícias fardadas, que por sua presença e visibilidade teriam o efeito de dificultar a ocorrência de crimes, bem como atuar na repressão imediata às ocorrências de rotina.

Policiamento investigativo, como o próprio nome já diz, é o tipo de ação da polícia no sentido de apurar a responsabilidade das ocorrências.

E por fim, a política terciária de segurança pública está relacionada às medidas tomadas no sentido da ressocialização dos cidadãos punidos pelo Estado em função de seus delitos. A execução das medidas sócio educativas aplicadas aos menores infratores, são ações da política terciária de segurança pública. Os programas (eventualmente inexistentes) de educação e empregabilidade dos ex-internos do sistema carcerário, também.

O bom senso mais elementar sugere que uma medida tão radical como a anunciada Intervenção Federal das Forças Armadas na Segurança pública do Rio de Janeiro só poderia ter alguma chance de sucesso se articulada com todas as ramificações de uma boa e integral política de segurança pública em seus níveis primários, secundários e terciários.

Pois bem, não é isso o que acontece.

Os investimentos em educação, saúde, infraestrutura, etc, estão na UTI do governo Temer. E com a aprovação da PEC 55 (depois emenda constitucional 95) em 2016, a tendência para os próximos anos é nada menos que a catástrofe. Os direitos sociais são continuamente atacados e os efeitos imediatos da Reforma Trabalhista serão nada menos que ampliação das inseguranças para os trabalhadores brasileiros, insegurança que está na raiz do aumento da criminalidade.

Nem é preciso fazer comentários sobre os programas de ressocialização dos presos, razão pela qual o índice de reincidência no Brasil é um dos mais altos do mundo. As medidas de intervenção pedagógicas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente não são aplicadas em lugar algum e o espaço das medidas sócio educativas em nada difere de uma prisão. De tal modo que a única proposta consistente do governo Temer e seus aliados para a juventude desassistida é redução da maioridade penal.

De acordo com os especialistas em segurança pública, a percentagem de crimes solucionados é fator que interfere diretamente no temor da punição estatal e influencia mais na queda da criminalidade que o rigor nas leis (no Brasil, só se fala em leis mais duras, como se tudo dependesse disso). Nos estados unidos o percentual de assassinatos solucionados é de 65%, na França 80%, no Reino Unido 90%, no Brasil 6%. De acordo com alguns estudos esse número é pior ainda, entre 4% a 5%. De modo que mesmo nas medidas de cunho secundário, nosso desempenho é sofrível.

A alardeada Intervenção do Exército nada mais é do que um espetáculo de ostensividade, decidida sem qualquer planejamento e sem aporte de qualquer outra medida seja de prevenção, seja de investigação, seja de recuperação. O que podemos esperar dela???

Talvez o maior objetivo dessa medida já tenha sido atingido: arrumar uma saída para o governo retirar a criminosa reforma da previdência sem reconhecer que foi derrotado.
Mas o problema permanece, estamos diante da mobilização de enormes contingentes de tropas, que sem nenhum planejamento ou estratégia vão apontar suas armas para a população do Rio de Janeiro.

Essa operação custará milhões, talvez bilhões de reais, dinheiro que poderia pagar os salários dos servidores públicos do Rio de Janeiro, alguns que estão a meses sem receber ou, no mínimo, verba que poderia ser aplicada de fato em combater as raízes da violência, através de políticas serias de prevenção e defesa dos direitos humanos.

Os trabalhadores organizados, os partidos orgânicos à classe trabalhadora, os movimentos social, sindical e estudantil não podem dar trégua a Temer e aos senhores das moscas. Nem uma vida negra para fazer propaganda da farsa de Temer. Precisamos denunciar à toda população e ao mundo o que se passa nesse momento no Rio de Janeiro.

Derrotamos a reforma da previdência apesar de toda a pressão da mídia e do governo ilegítimo de Temer, podemos fazer o mesmo agora. Vamos utilizar todos os espaços disponíveis para denunciar e desmoralizar a ação dos filhotes da ditadura e vê-los voltar com vossos rabinhos entre as pernas para seus quartéis.

Fora Temer e fora as tropas do Rio de Janeiro.

Nenhum direito a menos!

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