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Boaventura analisa política brasileira

Boaventura analisa política brasileira e dá exemplos de organização popular

Crise política nacional, internacional, financeira e resistência dos movimentos sociais brasileiros. Esses são alguns dos temas desta entrevista feita pelo SINTIFRJ com Boaventura de Sousa Santos, professor aposentado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e diretor do Centro de Estudos Sociais da mesma universidade. O sociólogo destacou que aprender com o movimento cultural é essencial para entender a narrativa dos que lutam contra o racismo e a desigualdade social. Além disso, ele fez uma pequena análise dos treze anos do governo PT. Disse que se houvesse investimentos nas mídias comunitárias, o país poderia ter avançado um pouco mais na sua autonomia política.

Estamos sofrendo hoje com a retirada dos principais direitos públicos e a população mais atingida é a pobre. Fale da importância dos movimentos sociais autônomos e sindicais no enfrentamento da atual crise política e financeira do país:

Na Europa, Portugal é o único país de esquerda. Lá estamos lutando por direitos como aqui. Estamos fazendo alianças para um programa mínimo e mesmo assim nenhum dos partidos políticos perderam a sua identidade ou abriram mão das suas principais bandeiras. Resolvemos colocar tudo no papel antes de finalizarmos os acordos. São dois os pontos fundamentais de que não abrimos mão. Um deles é travar os impostos e aumentar o rendimento da classe operária, dos trabalhadores e pensionistas que tinham uma aposentadoria mais baixa. Em segundo lugar, parar com as privatizações. A privatização da previdência é a mãe de todas as reformas pós movimento neoliberal. Esse foi o gene de toda a mobilização de enfrentamento ao neoliberalismo e às políticas conservadoras, como as que temos aqui também. Talvez lá tenhamos menos violência do que aqui, mas são os mesmos problemas. Estamos fazendo completamente o contrário do que eles diziam. Nossa unidade é pontual: é contra o desemprego e contra o pagamento de impostos altos pelos mais pobres.
Nossa economia cresce mais hoje do que a economia europeia. O nosso nível de desemprego é o mais baixo desde os anos de 1990. Em Portugal há um clima de paz e realmente está havendo uma inclusão social. Temos no Ministério da Justiça uma mulher negra, originária de Angola. Um secretário de Estado é cigano e outro é deficiente visual. Temos também uma política LGBT dentro do governo. Portanto, a nossa estratégia de inclusão não passa só pelo orçamento, mas é também simbólica.
Como eu atuo no Brasil junto aos movimentos sociais, acho que é por aí que nós temos que ir. Estar junto com os movimentos de base, dialogando com os partidos de esquerda brasileiros. É preciso unir os movimentos politicamente, e essa política não pode ser dogmática e nem sectária. Os partidos de esquerda têm muito autoritarismo, muitas divisões, e isso só enfraquece o movimento social. Enquanto a direita estiver unida e a esquerda estiver desunida, os interesses econômicos deles irão prevalecer.

Existem vários coletivos importantes de base comunitária fazendo uma disputa de discurso dentro dos espaços mais pobres e de esquerda no país. Como você vê esses rumos da comunicação comunitária, sindical e popular nessa disputa por direitos?

Sem dúvida é uma luta fundamental. São duas dimensões: uma tem a ver com as mídias comunitárias, rádios, TVs etc. Nos últimos 13 anos poderíamos ter feito muito mais a favor dessas mídias comunitárias. Mas o governo entendeu que deveria “namorar” as mídias comerciais e corporativas e, agora, o que se tem de resultado é isso. Achavam que esses veículos seriam gratos pelos investimentos que receberam, mas só são gratos aos seus donos e a mais ninguém.
Portanto, estamos sofrendo as consequências por causa da forma de mídia que não temos. Agora, estamos voltando às bases e a partir delas vamos tentar construir isso. É preciso sensibilizar as forças de esquerda para a importância da comunicação comunitária e de todas as redes alternativas que já temos.

Comente sobre a importância da cultura popular. Como ela pode ajudar a academia numa nova narrativa de conhecimento, de práticas e de entendimento sobre a sociedade?

Tivemos alguns avanços, nos últimos anos, com a distribuição de incentivos e a visibilidade dos movimentos de base. Nesse momento, estamos no Brasil com um governo conservador. Diante disso, é preciso avançar em várias áreas. A mídia brasileira só ajuda no conservadorismo. Aqui temos uma luta muito grande pela frente e temos que nos organizar para encará-la. É preciso, por exemplo, legitimar cada vez mais espaços como a favela, que sofre com o racismo e com a falta de direitos. A África do Sul, por exemplo, ainda não venceu as consequências do Apartheid [regime de segregação entre negros e brancos]. Aqui também ainda não vencemos essa diferença social e racial. A universidade sempre tratou com ignorância e arrogância os mais pobres, as favelas… Temos que valorizar o conhecimento a partir da base.
Eu aprendo muito com o rap, com o teatro de rua, com a dança de rua, com as manifestações populares culturais, com o slam. Eles se desenvolveram extraordinariamente neste país. As narrativas mais coerentes, mais fortes, nascem desse tipo de cultura. Elas vêm dos grupos e movimentos que são negros, indígenas, periféricos. É com a cultura urbana, de luta e resistência contra a exclusão e o racismo, que também se aprende. Em Coimbra, as minhas aulas começam e terminam com o rap. Penso que podemos produzir coisas conjuntas, a partir dos teóricos e também dos que produzem trabalhos como os movimentos de cultura.

Entrevista coletiva: Gizele Martins, Renata Souza, Naldinho Lourenço, Valdirene Militão, Thainã Medeiros, Luiz Baltar.

Foto: Agência de Notícias das Favelas

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