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Banco Mundial volta a ocupar as capas de jornais  

De volta aos anos 90, receituário do Banco Mundial volta a ocupar as capas de jornais  

Como boa colonizada que é, a elite brasileira vai perguntar para o seu senhor o que é pra fazer. Afinal, imagina a saudade que a elite econômica nacional, a classe média que se sonha elite, e seus queridos diários de comunicação não estavam por esperar em publicar algo como: “O Banco Mundial disse…” ou “o FMI alerta…”. Chega a ser comovente o servilismo.

O tal relatório do Banco Mundial – que aliás é o mesmo já apresentado por aqui em 1995, apresentado também na Argentina em 2001 e em outras países subdesenvolvidos para que permaneçam subdesenvolvidos – aponta que o funcionalismo público e os investimentos públicos são os vilões da economia do país e que a solução é acabar com os gastos públicos, o funcionalismo público, os serviços públicos e as empresas públicas. Parece tudo muito fácil, muito fácil e rápido.

Passemos a analisar o relatório do Banco Mundial encomendado pelo governo brasileiro.

“O principal achado de nossa análise é que alguns programas governamentais beneficiam os ricos mais do que os pobres”.

“Educação: as despesas com o ensino médio e fundamental apresentam elevado grau de ineficiência e seria possível reduzir em 1% do PIB os gastos, mantendo o mesmo nível dos serviços prestados. O governo gasta 0,7% do PIB com as universidades federais. A universidade gratuita é também injusta: 65% dos alunos estão entre os 40% mais ricos. Aos mais pobres, que não conseguem ingressar na universidade pública, resta a opção do FIES. “Não existe um motivo claro que impeça a adoção do mesmo modelo para as universidades públicas”, afirma o estudo, sugerindo o fim da gratuidade na universidade pública, criando-se bolsas para quem não pode pagar.”

Na verdade, essa é uma tese antiga que circula entre os grupos neoliberais, e que já foi rebatida uma dezena de vezes com dados e mais dados.

Se a classe média e os mais pobres tivessem que pagar pelo ensino universitário, eles não estariam no ensino universitário público, porque as famílias não comportariam esses gastos. Este relatório defende, a abertura das universidades ao capital privado produzindo situações como nos EUA e Chile, em que os jovens iniciam sua vida já como uma geração de sujeitos endividados.

Sigamos: O relatório ainda aponta – até ele! – as distorções do sistema tributário brasileiro:

“29. A reforma tributária também poderia melhorar a equidade, pois o sistema tributário brasileiro é regressivo. Tributos indiretos, que tendem a afetar os mais pobres de maneira desproporcional, representam 55% da receita tributária. Apesar das baixas alíquotas, a tributação efetiva sobre alimentos básicos é de 13,1%. Conforme mencionado acima, o efeito regressivo da tributação indireta acaba por neutralizar os efeitos positivos das transferências aos mais pobres (Higgins e Pereira, 2013). A tributação sobre a renda pessoal desempenha um papel relativamente pequeno no Brasil (18% da receita tributária, ou 6% do PIB). Devido à existência de muitas fontes de renda não tributáveis (tais como ganhos de capital e dividendos), a tributação sobre a renda pessoal não afeta os ricos de maneira adequada. Os indivíduos que ganham mais de 40 salários mínimos pagam somente 6,4% de sua renda total na forma de imposto sobre a renda, ao passo que os que ganham entre 20 e 40 salários mínimos pagam somente um pouco mais (11,7%) (Gobetti e Orair, 2016).”

No entanto, o relatório não aprofunda esta questão. A desigualdade tributária é uma das formas de perpetuação da desigualdade social. Eximir os mais ricos de pagamento de impostos (herança, lucro sobre dividendos) e fazer recair a carga tributária sobre a classe média e sobre os mais pobres através do imposto sobre a renda do trabalho e sobre o consumo, assegura o abismo entre ricos e pobres, e garante o processo de acumulação e concentração de riqueza.

Além de não aprofundar a questão da reforma tributária sobre os ricos, o relatório propõe uma solução bem à moda da elite brasileira:

“30. Uma ampla reforma tributária exigirá muita preparação 17. No entanto, a eliminação de gastos tributários distorcivos (sic) e caros é um processo simples que geraria benefícios significativos.”

[Sabemos que o purismo linguístico é uma forma de preconceito e exclusão, mas isso aí é simbólico da estupidez da elite]

Mexer com tributos dos ricos exigiria “muita preparação” (sabe-se lá o que é isso… me lembra a justificativa da ex-governadora Rosinha Garotinho, ao dizer que expandir o metrô no centro do Rio seria complicado, pois tem muitos fios embaixo da terra). Mas, acabar com todo o serviço público, com o funcionalismo e privatizar o país, é tranquilo!!!

“38. Em média, os salários do setor público são muito superiores aos pagos no setor privado. Segundo a PNAD, o setor público agregado (federal e subnacional) paga, em média, salários aproximadamente 70% superiores (R$ 44.000 por ano) aos pagos pelo setor privado formal (R$ 26.000 por ano), e quase três vezes mais do que recebem os trabalhadores informais (R$ 16.000 por ano) (Figuras 21 e 24). O governo federal paga salários ainda mais altos: com base em dados de 2016, os militares brasileiros recebem, em média, mais do que o dobro pago pelo setor privado (R$ 55.000 por ano), e os servidores federais civis ganham cinco vezes mais que trabalhadores do setor privado (R$130.000 por ano) (Figura 21). A remuneração média por funcionário é excepcionalmente alta no Ministério Público Federal (R$ 205.000 por ano), no Poder  Legislativo (R$ 216.000 por ano) e no Poder Judiciário (R$ 236.000 por ano) (Figura 21), apesar de os salários terem caído em termos reais nos últimos anos. Naturalmente, essas médias cobrem grupos bastante grandes e heterogêneos, e muitos cargos públicos não são facilmente comparáveis a empregos no setor privado. Além disso, é importante observar que os dados não capturam os benefícios não salariais, tais como os bônus recebidos por alguns funcionários do setor privado e os generosos planos previdenciários e outros benefícios concedidos aos servidores públicos.

Os altos salários no setor público refletem, em parte, um nível de escolaridade cada vez maior entre os funcionários públicos federais (grifo no original)”

Vejamos: De quem esse relatório está falando? Dos salários dos professores estaduais (que nem salário recebem)?, dos salários dos professores municipais que recebem abaixo do piso nacional? Dos salários de médico e enfermeiros, ou dos policiais..?

Devemos nos perguntar: é sobre os super-salários (https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2017/08/23/juiz-sergio-moro-ganha-mais-de-r-100-mil-por-mes.htm ) e privilégios (ministro Luis Fux garantiu por uma canetada que todos os juízes do país recebessem auxílio moradia indiscrimadamente  https://jornalggn.com.br/noticia/liminar-de-fux-garante-auxilio-moradia-a-juizes-ha-mais-de-dois-anos ) e penduricalhos (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/09/1915528-por-decreto-procurador-geral-muda-salarios-no-ministerio-publico-de-sp.shtml) acima do teto constitucional do Ministério Público e dos Juízes que essa reforma vai incidir? Sabemos que não.

Essas carreiras de Estado são necessárias ao capital (ainda). É sobre aquelas carreiras e setores, que o sociólogo francês Pierre Bourdieu chamou de “braço social do Estado”, aqueles serviços que foram provenientes de lutas, demandas e exigências sociais ao longo de séculos, como educação, saúde, habitação, saneamento, segurança que recairá a mão visível, pesada e grosseira do mercado.

Enfim, não há maior falácia do que a de imputar ao serviço público algum tipo de desgoverno de contas (a partir de que critério mensurar, afinal?). Somente uma elite escravocrata até a raiz e sugadora do Estado (e com uma classe média bestializada que repete esse discurso) poderia considerar que os baixíssimos salários da esmagadora maioria do funcionalismo tem que ser reduzidos e seus direitos retirados.

E esse raciocínio, longamente entranhado em nossa tradição política e exaustivamente repetido pelos meios de comunicação empresariais, possui uma conclusão lógica que, não espantosamente, fica de fora do debate público. Se é verdade que os funcionários públicos ganham mais e têm mais direitos e garantias do que os do funcionalismo privado, por que afinal, devemos rebaixar os servidores públicos, ao invés de lutar para elevar a condição dos funcionários do setor privado para que todos tivessem uma melhor condição de trabalho e de vida?

A questão está posta: o que nós, servidores públicos, educadores, estudantes, trabalhadores faremos diante dessa situação? Aceitar passivamente? Produzir alguma resistência criativa?

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