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Da Palestina à Maré: a luta pelo direito à vida

Hebron, cidade localizada no sul da Cisjordânia, luta contra a militarização, o fechamento do comércio, falta d’água e as constantes prisões. Realidade nada muito diferente das favelas do Rio de Janeiro.

texto e fotos de Gizele Martins, em colaboração especial para o Instituto Pacs*.

Em viagem à Palestina, pude ver de perto a militarização, o controle e a resistência do povo palestino que resiste e luta dentro de um espaço tomado por colonos há mais de 70 anos. Foram 12 dias na Cisjordânia. Em Hebron, o último lugar visitado, vivem 200 mil moradores palestinos, e 800 colonos israelenses também moram por lá. O número de colonos é bem menor, mas é impactante os estragos que estes invasores causam à vida dos palestinos.

A viagem foi feita a convite das organizações israelenses Hamushim e a Coalizão de Mulheres pela Paz, além do Comitê Nacional Palestino, do Movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) e a campanha “Stop the Wall”.
Hebron, que sempre foi uma cidade conhecida por seu grande comércio, tem hoje mais de 500 lojas fechadas por forças militares, por exemplo. Sem contar, nas outras mil lojas que foram fechadas ao longo das décadas porque o Exército israelense fechou as principais vias de acesso para a cidade, onde não é possível a livre circulação.

“Hebron era uma cidade conhecida pela sua variedade de mercadorias. Recebia visitas de pessoas de toda a Palestina para fazer compras. Mas as ruas de transporte foram fechadas”, disse um dos moradores palestinos, um senhor de 60 anos, que já foi preso três vezes pelo Exército israelense.
Para além da falta de alternativas de trabalho e as grades pelas ruas que atingem aqueles moradores, outro problema é a falta d’água. Palestinos precisam percorrer pelo menos 6 km para conseguirem água, ao contrário dos colonos, que tem água garantida pelo governo israelense: Ruas em que moram colonos também foram fechadas para que palestinos não percorram, dificultando a circulação deles pela sua própria cidade. Outras ruas são separadas, divididas: em um lado da rua só pode passar palestinos, em outro lado da rua, apenas israelenses, configurando e reafirmando o apartheidcausado pelas tropas israelenses.

Uma das únicas escolas que funcionam no local, está cercada por muros, grades e arames farpados. Todos os dias, para as crianças chegarem à escola, elas precisam passar pelos checkpoints (postos de verificação). Todas as crianças são revistadas para entrarem e saírem das escolas. Segundo um morador, inclusive, soldados israelenses invadem constantemente a escola e levam crianças presas. Em Hebron, a militarização se faz presente controlando o comércio, a casa, a educação, a saúde, a vida de cada palestino e palestina que sobrevive ali.

Maré e Hebron, o que temos em comum?

O que os moradores do Conjunto de Favelas da Maré, favela localizada na Zona Norte do Rio de Janeiro, no Brasil, vivenciaram durante a realização da Copa do Mundo, não é nada muito diferente do que os palestinos vivem em seu espaço de moradia hoje.

Assim como lá, a militarização da vida é algo constante e assustadora. Lá, são os caças que passam diariamente pela vida palestina; aqui são os caveirões aéreos que passam também diariamente pelas vidas faveladas. O mais triste é perceber que existe uma naturalização mundial sobre a violência que os dois diferentes povos sofrem pelos poderes estatais e militares.

A Maré também tem uma população de quase 200 mil pessoas. É uma favela que existe desde 1940, e que sofre constantemente com invasões de vários policiais existentes no Rio e enviados pelo próprio governo, causando grandes transtornos às vidas locais: assassinatos, escolas fechadas, desemprego, medo, invasões de casas, o não direito de ir e vir, além de outros problemas cotidianos.
Em 2014 e 2015, época de realização da Copa do Mundo no Brasil, as ruas da Maré, assim como as ruas de Hebron atualmente, foram tomadas por tanques de guerra. Eram soldados por todas as ruas, as revistas eram constantes a todos os moradores. Até mesmo crianças de colo tiveram suas fraldas revistadas naquele período. As escolas também foram invadidas pelos Exército, soldados distribuíram pelas escolas da Maré a revista ‘O Recrutinha’, que tinha tanques de guerra para as crianças pintarem, montarem e brincarem.

Toda a Maré estava sob a Garantia de Lei e Ordem, o GLO, lei utilizada no período da ditadura militar brasileira, mas que foi reutilizada durante os anos de invasão do Exército nas ruas mareenses, 2014 e 2015. Nestes dois anos, mais de 500 moradores foram presos e foram julgados pelo Tribunal Militar, algo que deveria ser inconstitucional em se tratando de um Estado que se afirma democrático.

Foram vários transtornos vividos pelos moradores da Maré naquela época. O Exército saiu em 2015 da Maré. Hoje, o Exército voltou para toda a cidade. O Governo Federal acabou de enviar mais de 10 mil soldados para todo o Rio. Hoje, são tanques por todos os lados em um momento em que o Governo do Estado se diz falido para investimentos em saúde, educação, moradia, obras de saneamento básico, direitos mínimos para a garantia da cidadania.

O fato é que os governantes têm outras prioridades: controle e disseminação do medo com a desculpa de uma “cidade segura”. Vivemos em um Estado que cada vez mais se espelha em outros países para militarizar a vida. Israel se torna, assim, um exemplo de militarização e controle para o mundo.

É triste e revoltante saber que assim como os palestinos, a vida dos moradores de favelas servem como treino para a fabricação e disseminação de militarização da vida cotidiana. Eles treinam com as vidas, por isso não existe outra alternativa a não ser resistir e denunciar o passo a passo dessa militarização internacional que mata a vida da população que foi empobrecida ao longo do tempo.

Palestina Livre! Favela vive!

*Gizele Martins é jornalista, comunicadora popular e membro da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj. Recebeu recentemente a medalha Pedro Ernesto, mais importante condecoração concedida pela cidade do Rio de Janeiro.

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