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COM QUEM E COM O QUE SE COMPROMETE A ATUAL REITORIA E OS DIRETORES GERAIS DO IFRJ?

COM QUEM E COM O QUE SE COMPROMETE A ATUAL REITORIA E OS DIRETORES GERAIS DO IFRJ?

 

A construção de uma gestão participativa e democrática continua sendo o principal dilema do IFRJ. A expansão da Rede Federal Tecnológica com a criação dos Institutos Federais, em 2008, e seu processo de interiorização significou a construção de um grande número de campi que, por sua vez, gerou inúmeros de cargos de direção, funções gratificadas, fluxos de recursos, e representou moedas de troca em circulação no jogo político. Ironicamente, essa política chegou a ser denominada de política da distribuição de bombons. Dependendo do grau de subserviência, do número de votos que uma pessoa possa vir a arregimentar, do puxa-saquismo e do comprometimento político com os coronéis do andar superior, aparece no horizonte a possibilidade de ganhar um bombom, de ser convidado para um carguinho, de receber das mãos de um Reitor um campus para tornar-se gestor. Aliás, a palavra gestor compõe o léxico das políticas neoliberais que, por principio, entende que para algo ser eficiente deve ser gerido como uma empresa. E isso inclui o próprio Instituto. A palavra gestor é emprestada da lógica da iniciativa privada e, imaginem, nada tem a ver com ideologia. A gestão nada tem a ver com a política, certo?

Deparamo-nos assim com uma combinação do coronelismo autoritário característico da cultura política brasileira com o discurso gerencialista empresarial do neoliberalismo globalizado. O atrasado e o avançado coexistindo. O sociólogo Francisco de Oliveira utiliza uma metáfora para pensar essa articulação entre o arcaico e o moderno. Recorreu ao estranho animal ornitorrinco, dotado de bico de pato, considerado ao mesmo tempo réptil, pássaro e mamífero, para falar do impasse evolutivo do Brasil. Um país que convive com a extrema miséria e o luxo ostensivo e uma sociedade que não abre mão das relações mais primárias, de pessoalidade e mandonismo, mas que deseja ser moderna, avançada, ou, no caso do IFRJ, se tornar algo próximo a uma “empresa eficiente”. Seria o IFRJ um ornitorrinco dentro de um país ornitorrinco?

Concentremos um pouco mais na figura dos gestores. Na busca por um bombom, fazem de tudo, inclusive e talvez até, primeiramente, colocar-se contra os trabalhadores em defesa de seus privilégios. O bom senso dos gestores não deixa espaço para a política. É claro que há exceções que fogem à regra, mas a regra parece mais a um conto de Machado de Assis. Em Teoria da Medalhão, Machado narra um diálogo entre um pai e um filho. O pai aconselha ao filho como tornar-se “grande e ilustre, ou pelo menos notável”. Diz o pai ao filho: “A vida, Janjão, é uma enorme loteria; os prêmios são poucos, os malogrados inúmeros, e com os suspiros de uma geração é que se amassam as esperanças de outra”.

Para tornar-se um “medalhão”, um notável bem-sucedido, é preciso tomar muito cuidado com as ideias, preferencialmente não tê-las. “Venhamos ao principal. Uma vez entrado na carreira, deves pôr todo o cuidado nas ideias que houveres de nutrir para uso alheio e próprio. O melhor será não as ter absolutamente”. Podendo ocorrer de o filho vir a ter algumas ideias próprias, o pai recomenda: “podendo acontecer que, com a idade, venhas a ser afligido de algumas ideias próprias, urge aparelhar fortemente o espírito. As ideias são de sua natureza espontâneas e súbitas; por mais que as sofreemos, elas irrompem e precipitam-se. Daí a certeza com que o vulgo, cujo faro é extremamente delicado, distingue o medalhão completo do medalhão incompleto”. No conto de Machado de Assis, o personagem do pai recomenda várias técnicas para desabilitar o pensamento e reduzir o intelecto.

De modo geral, os gestores do IFRJ, a começar pela Reitoria e seguindo pelas direções dos campi, parecem se encaixar bem na caricatura que Machado de Assis faz da sociedade brasileira. Uma gestão central que se posiciona pela falta de posicionamento, que é não sendo, que se recusa a assumir publicamente posições. Uma gestão que não se posiciona claramente contra o golpe e seus desdobramentos cujas consequências diretas para uma instituição de educação como a nossa tem sido a destruição da educação pública. É o sucateamento que abre espaço para a privatização. Mais do que isso, uma gestão incapaz de produzir uma leitura crítica da situação política e econômica e não comprometida em protagonizar a defesa e a sobrevivência da própria instituição.

Com o que se compromete a atual gestão da Reitoria do IFRJ?

Com os trabalhadores não é. Com os estudantes tampouco. É uma gestão que não dialoga com o sindicato, nem com as reivindicações dos trabalhadores e dos discentes. O comprometimento dessa gestão é com a burocracia, com as empresas privadas que se beneficiam da mão de obra formada pelo IFRJ e agora, pasmem, com o Exército.

No último dia 14, dia nacional de lutas e de paralisação, um movimento de trabalhadores e discentes buscou construir uma mobilização em busca de diálogo, realizando um ato na Reitoria, sendo recebidos por uma comissão da Reitoria. O magnífico reitor não deu o ar da graça, não soltou uma nota, não disse nada. Talvez esteja seguindo o conselho de Machado de Assis, melhor não ter opinião.

A comissão da Reitoria recebeu os representantes do movimento que apresentaram suas reivindicações e exigiu que elas fossem encaminhadas às instâncias decisórias devidas. Trata-se de reivindicações históricas dos trabalhadores e dos discentes que jamais tiveram respostas satisfatórias: orçamento financeiro do IFRJ, flexibilização da jornada dos técnicos, posicionamento contra o ponto eletrônico e política de assistência estudantil. A comunidade acadêmica está apreensiva com as notícias de cortes no orçamento, circulam rumores de que alguns campi não terão recursos para fechar as contas e o assunto não recebe nenhum tratamento público, nenhum esclarecimento é dado.

Outro ponto fundamental é o esvaziamento proposital das instâncias decisórias, como o Consup, transformando o espaço em local de despacho de memorandos e de pouca ou nenhuma discussão política. Política educacional é o que menos se discute, sobram ofícios e memorandos. As formalidades da democracia representativa liberal não estão satisfazendo nossa necessidade de democracia de alta intensidade.

 

Com quem dialoga a gestão Paulo Assis?

 

Construir uma gestão coletiva, participativa e democrática não foi uma opção da gestão Paulo Assis, mas foi uma opção contratar uma empresa privada para fazer o que tem sido chamado de “planejamento estratégico”. Qual a lógica de entregar o planejamento estratégico de uma instituição pública nas mãos de uma empresa privada? Que planejamento estratégico é possível sem a participação da comunidade acadêmica e sem a publicização dos dados orçamentários da instituição?

Acesso à informação não deve ser privilégio e exclusividade dos gestores. Acesso aos dados orçamentários do IFRJ não diz respeito apenas à Reitoria e aos diretores gerais, diz respeito a todxs, também não pode virar um especialismo onde só os entendidos entendem.

O Reitor não teve disponibilidade para receber e dialogar com estudantes e trabalhadores do IFRJ, mas não falta disponibilidade, tempo e interesse, em dialogar e servir à política de militarização que o mesmo governo golpista, em articulação federal e estadual, está levando a cabo nas favelas e periferias do Rio de Janeiro, com a participação do Exército. O mesmo Exército cujas autoridades vêm a público dizer, sem nenhum constrangimento, que está à disposição e preparado para entrar em ação, caso seja necessário, defender a “ordem pública”. Qual ordem pública? Essa ordem pública que o Exército se refere é a ordem que mantém as desigualdades sociais em níveis absurdos; ordem pública dos banqueiros, do agronegócio, do capital financeiro; ordem pública que mobiliza repertório e práticas de guerra para exterminar jovens pobres, pretos e periféricos; retórica política para justificar uma política de segurança pública com derramamento de sangue. O resultado dessa política bélica de segurança pública fundamentada em práticas políticas coloniais, como a “pacificação de territórios”, tem sido a produção de mortes, o cerceamento do direito de ir e vir, o fechamento de escolas e unidades de saúde. Uma forma de governar a partir do terror e do racismo institucional.

A Assessoria de Comunicação central, a mesma que não para de defender a privatização da previdência social e abrir espaço na instituição para a Funpresp, acabou de divulgar no site do IFRJ (http://portal.ifrj.edu.br/ifrj-e-academia-militar-avancam-dialogo-sobre-parceria-institucional-0) uma notícia informando sobre uma parceria institucional entre a instituição e a Academia Militar. É o IFRJ trabalhando para a criminalização e o extermínio da juventude pobre e preta. A Reitoria do IFRJ deve explicações à comunidade escolar-acadêmica sobre o que significa essa parceria com o Exército.

O IFRJ poderia ter um protagonismo na luta pelos direitos humanos, na defesa da vida das populações que vêm sendo oprimida e assassinada pela polícia e pelo Exército em seus locais de moradia, mas, em seu núcleo gestor central, tem optado por apoiar o massacre genocida do Estado brasileiro contra seu povo. Isso não significa que não existam no IFRJ bravos lutadores, pesquisadores e militantes comprometidos com a defesa dos direitos humanos, lamentavelmente a gestão central não fez essa opção.

No último domingo, a polícia entrou atirando numa festa no Jacarezinho (há informações de pessoas mortas) e uma dezenas de jovens presos foram levados para a Cidade da Polícia. Centenas de parentes e amigos desesperados logo se dirigiram para a Cidade da Polícia em busca de informações.

 

(Fotos divulgadas nas redes sociais)

Que compromisso a Reitoria do IFRJ que apoia e vê no Exército um parceiro tem com essa juventude? É comum encontrar gestores do IFRJ se vangloriando da presença do IFRJ em territórios historicamente abandonados, mas que relações políticas e institucionais essa instituição vem de fato construindo em favor desse segmento? Cadê o Reitor, os Pró-Reitores, os Diretores Gerais, nas periferias e nas favelas protagonizando a defesa da vida contra o extermínio?

Na condição de uma instituição de educação, é certo que qualquer compromisso com a juventude periférica, favelada, pobre, oprimida, deve passar por uma política estudantil efetiva, que garanta o acesso e a permanência acadêmica, onde transporte, alimentação e moradia sejam absoluta prioridade. Na reunião do dia 14 na Reitoria, o que vimos foi um jogo de empurra com os representantes da reitoria argumentando que a construção de restaurantes universitários é das direções dos campi. No limite, chegou-se a dizer que a construção dos restaurantes universitários não saiu do papel porque os estudantes não se movimentaram para isso, o que foi devidamente contestado pelos estudantes presentes. Responsabilizar os estudantes pela ausência de política estudantil é incompetência e cinismo sem limites. Quem recebe salário e ocupa cargos de direção e função gratificada para gerir a instituição não são os estudantes.

Por um IFRJ que se engaje na luta contra o extermínio da juventude negra e favelada. Encontra-se em fase de construção pelos movimentos sociais de favela uma nova mobilização contra a violência policial nesses territórios, tal como aconteceu em 2006/2007, durante os jogos pan-americanos, com a campanha contra o uso do caveirão. Caveirão é o nome do carro blindado da polícia que ficou conhecido por entrar nas favelas cariocas com o alto falando anunciando aos moradores que veio buscar suas almas.

É fundamental que o IFRJ participe da luta contra a violência policial. Que se engaje, efetivamente e não apenas na retórica, na defesa da vida dos jovens. Para ter acesso à educação, é necessário primeiro ter direito à vida, a não ser exterminado. Nem sem só para produzir mão de obra para a Petrobras e para formar milicos serve o IFRJ. Por um IFRJ menos cínico e mais comprometido com as lutas sociais.

 

Fábio Araújo. Sociólogo, professor do IFRJ. Coordenador do Sintifrj.

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